Outra tempestade no Museu

 


Folhas e minas de grafite espalhadas pelo chão do Museu. O olhar curioso de quem vista o Museu Gulbenkian, desviando por momentos os olhos das obras expostas para observar aqueles artistas improváveis criando sobre o tabuado do chão. Assim vai decorrendo a visita desenhada “A Tempestade” dedicada ao público com doença mental. Desta vez tivemos a participação de “velhos amigos”, os utentes do Pisão (Alcabideche). Duas peças da coleção do fundador chamam a nossa atenção na galeria, onde pontuam retratos contemporâneos de Turner o autor eleito para esta oficina; Quillebeuf (Foz do Sena) e Naufrágio de um cargueiro. A primeira abordagem das obras parte da experiência pessoal dos visitantes; neste caso, a declaração de “alerta amarelo” pela meteorologia, serviu de mote para a aproximação à obra. Falámos de tempestades. Um senhor Cabo-verdiano, já de uma boa idade, recordou um grande dilúvio na sua ilha (Santiago) que arrastou tudo montanha abaixo, vacas incluídas. Eu confessei que gosto bastante de relâmpagos. Fui apelando à memória de cada um.

Fonte: Museu Gulbenkian

“E quando termina a tempestade o que aparece no céu?” Aqui surge o sol, por vezes um arco íris e assim começamos a falar da obra introdutória da oficina, Quillebeuf. “Costumamos dizer gaivotas em terra, temporal no mar, mas eu não vos sei dizer se esta pintura retrata o início ou o fim de uma tempestade. Qual a vossa opinião? O temporal já foi?  Quem me consegue explicar o que estamos a ver? Surgem várias opiniões e vamos acordando a mente e os sentidos – por vezes este público aparece muito medicado e faz parte do nosso trabalho estimular o contacto com as peças da coleção. Falamos do remoinho de água luminosa que o vento ergue para o céu. “Ao longe vê-se um cais” - comenta um dos participantes - “talvez seja uma igreja...” Depois de ter conseguido um foco mais apurado, começo a falar da grande tela de William Turner, na parede oposta. Começámos a falar do quadro que “reporta” um naufrágio antes do aparecimento da fotografia; um tema muito escolhido pelos pintores da época. Neste ponto interrogo-me sempre sobre a possibilidade de aprofundar os conteúdos convocados pela peça. As características específicas do grupo que nos visita ditam sempre o grau de profundidade que utilizamos na abordagem da História de  Arte, em contexto de visita ou oficina em Museu. 

Fonte: Wikipédia
Depois,  mergulhámos na peça, primeiro num jogo de   adivinhas  visuais, para promoção da perceção: Quantos   mastros tinha o navio? Que tipo de navio seria. Neste   momento mostro uma imagem de um cargueiro Inglês da   época (também conhecidos como “navios de linha”); refiro   a  batalha de Trafalgar e o almirante Nelson. Em certos   grupos com estas características, surgem visitantes que se   interessam muito por História, o que permite fazer algumas   ligações interessantes – temos sempre que intuir no   momento até onde podemos ir... Depois continuo a   brincadeira. Quem consegue ver a única ave da pintura?   Quantos escaleres estão de volta do navio? “Ai querida! Lá   se vai o baú da nossa fortuna...” - Quem consegue ver a   arca? Seguem-se outras pequenas histórias que a pintura   possa conter - “Jonh, agarra-te a mim! Não te afogues!” .   Ainda outro tipo de desafios como: Conseguem entrever os   rochedos? Que hora do dia está representada na peça? De   que lado vem o vento? Quem já viu ondas bem grandes?   Neste ponto lanço outro desafio: vamos desenhar a tempestade; primeiro o vento, depois a ondulação e por fim, o vento. O chão do museu torna-se o nosso ateliê1. Aproveito para agradecer a colaboração ativa da Inês e da Lúcia, técnicas/animadoras do Centro Social do Pisão.


1 Nestas últimas oficinas, na fase de desenho, tenho introduzido uma proposta disruptiva quase no final da atividade - a utilização uma folha de papel circular.

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