O discurso não está bem organizado...
Um episódio com uma criança está na origem
destas palavras que acabo de escrever.
De qualquer forma, servem para refletir
e repor o debate sobre o autismo
e a inclusão real que nos vem faltando.
As pessoas não sabem o que é a PEA (aqui um dos possíveis pontos de vista).
Falam disso cheias de boas intenções mas com um discurso
paternalista, típico de quem desconhece a realidade do convívio.
Chegam a achar que o autismo está na moda e acham graça às
narrativas extraordinárias dos estranhos acontecimentos que os
autistas protagonizam. Entender o ponto de vista das famílias com crianças com perfil autista é meio caminho andado para a inclusão. Só o convívio efetivo traz a inclusão natural. A
educação para a inclusão deve acontecer desde a mais tenra idade e
numa atitude informada, justa e adequada à pessoa diferente que se
tem na frente. A escola pública tem dado passos importantes neste sentido, as equipas crescem em qualidade (mas não em meios) e vão surgindo "projetos que nos animam" (como diz a minha amiga Maria José Vitorino). Mas é evidente a falta de capacitação específica dos
profissionais da escola (incluo os auxiliares de educação entre outros) neste campo educativo, tão pouco existem
momentos de reflexão serenos que permitam, às equipas da
escola, conferir o rumo educativo. "Os autistas não são
especiais - não vêm com brinde" (citando Alexandra Lobato), não têm necessidades educativas especiais, têm
necessidades educativas específicas que todos deveremos conhecer
para que a inclusão seja efetiva. Os autistas não vêm acompanhados
de brinde, nem são de ouro, por isso não são especiais; não vêm
de outro planeta, são mesmo deste, nossos vizinhos reais. Tão pouco vêm acompanhados de bula nem necessitam que os coloquem em gavetas taxonómicas para descanso da nossa ignorância coletiva. Ah, já agora, a sua cor favorita não é sempre o azul!
A escola pública, no geral, tenta cumprir a sua missão inclusiva, mas vem sacrificando a sua função educativa com o desempenho económico da estrutura;
acentua ainda mais as diferenças sociais, económicas, de género,
religiosas, funcionais e , neste caso, parece não ter consciência do conjunto de a perturbações do espectro do autismo e outras situações de desencontro interior. Pequenas
grandes coisas contribuem para a melhoria do ambiente de acolhimento. Em primeiro lugar, é importante defender uma comunicação escorreita entre a escola e as famílias dos alunos com diversidade funcional, só assim se constitui uma verdadeira equipa para a inclusão, permitindo, até, a criação de momentos de formação parental, tão necessária nos meios sociais mais excluídos. Até mesmo a arquitetura da escola, em particular da sala de aula, pode ser amiga da diferença - um espaço aberto, de núcleos modulares, inspirado na Escola Moderna, tem provado eficácia. Uma irritante lâmpada de néon, com a sua luz fria e ruido subtil e constante, pode
perturbar o dia de um aluno do espectro. A atenção aos detalhes é essencial querer conhecer o aluno e trabalhar com
a criança numa regularidade fiel. É visível a falta de promoção
dos meios tecnológicos e culturais, no campo da leitura e literacia,
que promovam a fruição lúdica, o conhecimento e inclusão destas
pessoas. As estruturas de apoio escolar aos alunos portadores desta
perturbação interior, carecem do número suficiente de
profissionais especializados e demonstram, ainda, pouca coragem na
contratação de profissionais que podem contribuir grandemente para
a inclusão: Mediadores culturais especializados, professores bibliotecários, psicomotricistas,
pedopsiquiatras, terapeutas especializados, assistentes operacionais (1), entre outros. Claro que alguns
agrupamentos de escolas possuem respostas efetivas em crescimento no seu interior e têm por perto IPSS (ou outras estruturas educativas/culturais)
competentes neste campo, com quem podem estabelecer parcerias. A meu ver, a
escola pública deverá poder corresponder a esta necessidade em
plenitude, colocando-se na frente da pesquisa pedagógica. É bom que a escola, sobretudo as direções dos agrupamentos, não se esqueça que pode ter
autonomia pedagógica, essa condição permite pequenas mudanças que
constroem grandes futuros. (1) Neste ponto, faço uma chamada de atenção para as assistentes operacionais da escola, que mantêm uma relação próxima de cuidadoras destas crianças, recebendo-as logo de manhã e tratando das suas necessidades básicas, o que lhes dá um ponto de vista singular sobre o comportamento destes alunos e uma ascendência quase familiar.
Em determinada altura da minha vida preocupei-me muito com o autismo e até estudei o que havia. Na altura através de Bruno Bettelheim que conhecemos da Psicanálise dos Contos de Fada. Se os professores e demais trabalhadores das escolas tivessem alguma informação sobre o tema poderiam levar estas crianças bem mais longe. Parece que o problema do autismo ou dos comportamentos autistas derivam de perturbações na área da comunicação. Desde o autismo profundo onde a criança não comunica mesmo, até a tipos de comportamento de dificuldades de comunicação. Estas crianças e adultos, podem ler com facilidade, têm facilidades matemáticas porque resolvem o problema de forma aritmética e, sobretudo, entendem-se bem com os computadores: nível digital.
ResponderEliminarMas eu não sou especialista deste assunto e só me interessei pelo problema porque uma vez fiz um estágio numa instituição de crianças autistas, em Toulouse, e uma criança começou a interessar-se muito por mim e parecia
que estava quase que a comunicar. Tristemente havia uma piscina e um dia a criança
apareceu a flutuar. Soube então que estas crianças, quando começam a sair do autismo - o Bruno Bettelheim conta falando da sua escola ortogénica - têm sérias tendências para o suicídio. Precisei de ler muito para sair da "depressão".
Mas era bom que nas escolas se soubessem estas coisas. Estas e como as crianças de meios de baixas qualificações escolares podem aprender e não serem lançadas para o insucesso dizendo-lhes que "são vítimas do seu próprio destino".
Obrigado pelo contributo. Arrepiei-me com a situação narrada - bem dura. É impossível não nos envolvermos com as crianças com quem trabalhamos, existe um reflexo real nas nossas vidas. Confesso que receio sempre a possibilidade do suicídio, situação que pode ser potenciada com a adolescência. Gerir o lado emocional nessa "saída" que refere é uma grande dificuldade para pais e terapeutas. Não há alternativa senão multiplicar a atenção. Importa continuar o trabalho formativo no interior da escola e somos sempre poucos. Vou visitar as referências bibliográficas que referiu e que muito agradeço. O seu comentário acaba de tornar este blogue mais útil a todos que mergulham nesta problemática. Obrigado. MIGUEL HORTA
ResponderEliminarA falta de meios humanos e materiais têm sempre de vir à baila para justificar muitas vezes a desadequada formação dos profissionais e que apoiam
ResponderEliminarA questão da Qualidade também cabe aí. É importante que os docentes de ensino especial recebam a formação adequada e que queiram mesmo evoluir. Também é importante que valorizem/reconheçam o seu trabalho. Uma palavra , ainda, para os auxiliares de educação que aceitariam, de braços abertos, toda a formação que lhes fosse proposta nesta área. O seu papel na educação inclusiva é fundamental. Miguel Horta
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