Naufrágio no Museu

 

"Naufrágio de um cargueiro" - William Turner, Óleo sobre tela 1810. Museu Gulbenkian. Nº Inv. 260

Não muito longe da minha casa de menino, nas avenidas novas de Lisboa, foi inaugurado no ano de 1969 o Museu Gulbenkian; não tardou que a minha Mãe organizasse uma visita à coleção. Lembrou-me bem do impacto que senti ao olhar o “Naufrágio de um cargueiro” de William Turner. Para mim, aquilo era mesmo o poder da tempestade empurrando para a costa a embarcação desgovernada, o barulho do temporal, o madeirame estalando de encontro ao laredo, berros aflitos, salvação e drama do afogamento na pressa das águas revoltas. Tudo aquilo era familiar aos meus olhos de mar e à teimosia persistente com que avisava os meus pais da minha profissão futura: Pintor.

A 13 de Dezembro do ano passado fiz a minha primeira visita desenhada (depois de uma prolongada ausência) à obra de Turner, que batizei de “A Tempestade”. O grupo visitante chegou-nos do GAC, participantes habituais das propostas do setor de Necessidades Educativas Específicas dos museus da Fundação Calouste Gulbenkian. Na visita desenhada, para além de conhecermos melhor a obra do autor e a sua história contada através de episódios e curiosidades, a contextualização pela época e correntes estéticas, proponho que os participantes se sentem na frente da obra e desenhem a preto e branco com a velocidade dos ventos, riscar com água ondas e acender uma luz de calmaria no meio da escuridão. Um momento descontraído, pensado para experimentar diferentes materiais de desenho e mergulhar no oceano. Algumas perguntas lançadas em frente à obra promovem o foco e estimulam a opinião dos participantes: Conseguem ver dois soldados, de casacas vermelhas, que tentam salvar um companheiro? Onde andará a arca do tesouro? O que estará lá dentro? Quantos mastros tinha o navio? (mostro uma fotografia de uma embarcação praticamente igual à retratada, mas em bom estado). E quantas barcas mais pequenas estão retratadas? Conseguem ver o rochedo? E a única ave que voa na pintura? Quem já assistiu a um temporal destes? E soltam-se as opiniões... Depois é desenhar, conversar; até nos esquecemos dos outros visitantes que curiosos observam o nosso trabalho. 


O grupo riscou os ventos, traçou a chuva, desenhou a ondulação, depois introduzi um círculo em papel, como se fosse um sol que, de repente, rompesse a bruma e regressou o som do grafite passeando pelos papéis. Desenhei e recortei um marinheiro em papel poisando-o sobre o desenho de cada participante para que sentisse a noção de escala a partir de um elemento exterior, proporcionando outra dimensão ao trabalho de cada um estava a desenvolver. Antes de abordarmos o "Naufrágio de um cargueiro" tínhamos visto outro quadro de Turner "Quillebeuf, foz do Sena" (Inv 2362); como estamos em Lisboa, propus que desenhassem a foz do Tejo. Recordam-se de uma construção que existe mesmo na foz do rio? Sim, o Bugio. Um telemóvel serviu para pesquisar na internet esta estranha construção que daria a escala para o último desenho da sessão. Sentia-se bem, que este grupo já tem a prática das artes plásticas. 
E foi assim, mais uma visita ao Museu.

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