“É só ter tinta e fazer festinhas no papel com o pincel”
Fui surpreendido por um convite, feito
pela minha amiga Teresa Sá, para participar numa iniciativa na Casada Praia/Centro Doutor João dos Santos; uma escuta comentada de um
programa de rádio histórico : “A minha Mãe o que é?”. Que
honra!
Quarta sessão de psicanálise e
educação:
“É só ter tinta e fazer festinhas no papel com o
pincel”
(João dos Santos)
(João dos Santos)
Talvez estivessem 40 pessoas sentadas
em torno de um local que senti como lareira, ouvindo o programa, as
palavras de João dos Santos. Fui tomando notas numa sala mergulhada
em escuta activa. Lembro-me que a primeira vez que ouvi falar do
Professor João dos Santos foi em casa do meu Pai, ele também médico
e muito atento à pedagogia, a par da sua prática e trabalho de
investigação. Depois, na adolescência, apercebi-me que o meu
cunhado Emílio Salgueiro era seu discípulo – as conversas de
almoço de Domingo lá em casa, eram sempre interessantes, sobretudo
no momento em que o café de balão era servido entre a família,
alargada nesses dias. Depois, os livros estavam lá por casa,
acessíveis... e tinha a quem fazer perguntas.
Criar ecos e iluminações.
A intenção destas sessões, que
contarão em breve com a presença de Maria Emília Brederode dos
Santos, é criar ecos, iluminações para os nossos dias ; a
escuta despoletadora de opiniões e reflexões, partilhadas em tempo
real num local de interioridade, um lugar protegido (Maria
Teresa Sá)
A
escuta do Mestre remeteu-me para situações da minha prática que
partilhei e, como as palavras convocam outras palavras, fui pela
noite fora falando, respondendo a perguntas e, também,
interrogando-me. Uma das situações que relatei foi a desafiante
experiência do “Clube Inclusivo de Banda Desenhada” (EB 2 3
Sarrazola) desenvolvido em equipa coordenada pela professora Decas
Novo. Muito para além da aplicação de procedimentos relacionados
com o espectro do autismo, o primado da pessoa, da criança. Em torno
das mesas da oficina de BD, foram muitas as conversas com os
adolescentes, conhecendo as suas personalidades, entendendo
comportamentos, descortinando o que desenhavam projectando situações
interiores, familiares ou não, sobre as folhas de papel. Ao entender
os sinais pudemos agir. Tenho imensa pena que este clube inclusivo
tenha suspendido a sua actividade por falta de financiamento; foi
muito importante a constituição de uma equipa multidisciplinar
(onde não faltou uma psicóloga) para o fluir do nosso trabalho. A
escola pública continua com uma grande falta de apoio efectivo de
profissionais no campo da Psicologia, Psiquiatria e Pedopsiquiatria; as situações
comportamentais com que nos deparamos junto dos alunos adolescentes
(remetidos para turmas CEF ou com outras siglas) evidenciam a urgência.
Mas isto é um longo debate...
Lá
estavam duas amigas na sala: a Zé Vieira (minha educadora das
expressões no Beiral) e a Helena Mota, também ela educadora e
colega na APEI. (A presença de rostos familiares ajuda a construir
espelhos úteis na comunicação)
Falámos
sobre a consciência do corpo desenvolvida logo no alvor da primeira
infância e que se vai adquirindo e desenvolvendo pelo contacto com o
corpo do outro no movimento natural (no vai e vem) das brincadeiras.
Depois o toque, o corpo que escreve, fala, pensa e ouve ao longo da
superfície da pele. Depois, também a constante projeção dessa
consciência no desenho, fazendo crescer a aprendizagem do eu. Acabei
por lembrar o Pedro Onofre e a importância de se introduzirem, cada
vez mais, propostas de psicomotricidade no jardim-de-infância e
noutros níveis etários. O desenho, o movimento e a palavra têm
vindo a ocupar as minhas (nossas) propostas de mediação, reforçando esta
convicção da importância do cruzamento de diferentes linguagens em
educação, para melhor entender e agir num mundo em constante
mutação.
e a
conversa continuou...
“Falar
é mais complexo do que dizer palavras”
(João dos Santos)
Fiz o
paralelo para o trabalho em torno da competência da palavra e da
comunicação, muito antes da escrita.
Mas pouco depois estava de
volta ao corpo. De novo, correndo o risco de uma tautologia, recordo-me que, em certo momento da entrevista, João dos Santos refere que o
espaço vital de expressão da criança se encontra dentro de uma
área delineada pelo movimento dos braços esticados em torno do
corpo, como se fossem ponteiros de um relógio “espacial”.
Veio-me à memória o “Homem de Vitrúvio” (Leonardo da Vinci) e
uma proposta em torno do corpo, de Margarida Vieira, quando em
conjunto, no Museu Gulbenkian, construíamos a oferta do sector das
necessidades educativas especiais (era
assim a designação) do Centro de Arte Moderna, influenciando
serviços educativos e outros profissionais de todo o país (creio
que em 2005). Nessa altura convocávamos as grandes dimensões no
desenho, projectando os corpos em grandes folhas de papel de cenário,
seguindo um enunciado ditado pelo contacto com as peças da colecção
visitadas com o nosso público especial.
Bem...De
volta às festinhas
que o pincel faz sobre o papel.
Falou-se
de Picasso, Klee, de como os artistas perseguem essa voz interior que
depois de concretizada numa obra deverá ser concordante com o seu
íntimo. Depois de criada, sobra sempre uma inquietação que leva à
peça seguinte. E aqui entra o inconsciente e a importância de
educar de forma a que o sonho faça parte do percurso; o inconsciente
não como um limbo a recusar, mas sim como mais um outro “estado
físico” do pensamento que sempre nos surpreende. A criança quando
desenha vai traçando sobre o papel a sua explicação do mundo. Os
seus desenhos, surgidos no recolhimento, são poderosas respostas.
Assim, para a criança o desenho é um método fiável e sincrético
para ir entendendo a vida - mais realista do que uma fotografia a
cores.
E
agora é melhor calar-me.
Quero
agradecer à Teresa Sá e à Ana Paula Ribeiro as belas palavras com
que comentaram o meu serão na “Casa”
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