Eu sou som assim
Esta semana, no
Centro de Arte Moderna (programa Descobrir) temos trabalhado com crianças com
deficiência profunda. O Instrumentarium Baschet tem sido o veículo pedagógico
para vivenciar o som. Mas acima de tudo é de comunicação que se trata; tarefa
persistente em que todo o nosso corpo se constitui ferramenta. O mediador
promove o contacto com as esculturas sonoras ao mesmo tempo que estabelece a
comunicação com aquelas crianças aprisionadas num corpo discordante, pequenas
pessoas habitando um lugar longínquo que tentamos alcançar. Melhoramos o
ambiente da nossa sala de ensaios para este momento: reduzimos as luzes e estendemos
um tapete confortável, criamos o lugar para esta comunicação. O “Baschet” vai
soando espaçadamente, em harmonia tocado por técnicos, monitores e um menino
mais autónomo. É um combate genuíno pelo outro, frágil e distante. Tocar, fazer
com que a criança sinta a vibração na mão ou na bochecha que esconde um maxilar
que ressoa a cada variação sonora. Ir conversando reconhecendo sinais discretos
de concordância ou de agrado enquanto manuseamos o instrumento. Ir falando
sempre, olhos nos olhos, reconhecendo um piscar de olho ou um gesto ou esgar
com significado. Intenso e verdadeiro. No final retiramos os meninos das
cadeiras de rodas, deitando-os delicadamente sobre o tapete: tocamos para eles
com suavidade. Quando a música para uma menina sem aparente comunicação começa
a soltar um canto gutural, como um lamento, outros dois meninos começam a
“cantar” também com as suas vocalizações. Ficamos ali em silêncio olhando o
canto daquelas crianças. A sessão correu bem. Dentro de mim cresce uma comoção
calma que me acompanha até chegar ao ateliê. Mas não consigo pintar.
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