À saída de Pinheiro da Cruz
Fica
sempre uma sensação de um vaziu que ainda não aprendi a retratar. Terminam as
sessões, vou-me embora, eles ficam lá dentro e volto para a minha vidinha
culta, muito satisfeito porque cumpri o meu dever, carrinho estrada fora… Vou
formoso mas não seguro. Há um silêncio devorador de palavras que aos poucos
avança em mim como um virus. O pior é que nas horas mais próximas não vou
conseguir expressá-lo a ninguém. Acabo de atravessar uma fronteira para um
outro universo que me garantem que é livre – não tenho a certeza.
Vou
dizendo para comigo enquanto o alcatrão da estrada é engolido pelas rodas: eu acredito nas
palavras!Eu acredito nas palavras! Eu acredito nas palavras! Aos poucos acabo por me convencer…
Contarão
de novo comigo para promover a leitura nas prisões...mas não seguro.
Aqui
fica um poema do José Fanha que simboliza muito o meu trabalho ao longo deste
ano nos estabelecimentos prisionais. Vou ler outra vez o ASAS aos meus presos… Escutem
amigos:
"Nós nascemos
para ter asas, meus amigos.
Não se esqueçam
de escrever por dentro do peito:
nós nascemos
para ter asas.
No entanto, em
épocas remotas, vieram com dedos
pesados de
ferrugem para gastar as nossas asas
como se gastam tostões.
Cortaram-nos as
asas para que fôssemos apenas
operários obedientes,
estudantes atenciosos,
leitores ingénuos
de notícias
sensacionais, gente pouca, pouca e seca.
Apesar disso,
sábios, estudiosos do arco-íris e de coisas
transparentes, afirmam
que as asas dos homens crescem
mesmo depois de
cortadas, e, novamente cortadas,
de novo voltam a
ser.
Aceitemos esta
hipótese, apesar de não termos dela
qualquer confirmação
prática.
Por hoje é tudo.
Abram as janelas. Podem sair."
Fiquei embevecida e emocionada... Sem palavras. O poema "Asas" remata extraordinariamente bem a prosa sentida e poética precedente. Um abraço.
ResponderEliminarfantástico o José Fanha! Tenho usado muitos textos dele nestes contextos...Um abraço Manuela
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