"Leituras em cadeia": O significado dos sonhos

Trata-se de um livro corriqueiro, bem comercial, mas ganhou  importância no contexto do Leituras em Cadeia (Projeto da Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com o Ministério da Justiça e a Delta Cafés, pensado pela Laredo Associação Cultural, com a preciosa colaboração da Biblioteca Municipal de S. Domingos de Rana e do Agrupamento de Escolas Matilde Rosa Araújo). Nos primeiros tempos do projeto (há 2 anos atrás), quando procurávamos uma porta de entrada para a promoção da leitura e intervenção bibliotecária no Pavilhão 1 do Estabelecimento Prisional de Tires, questionámos as residentes (reclusas) dinamizadoras da biblioteca prisional sobre as preferências de leitura das mulheres ali detidas. “Sonhos. Interessam-se pelo significado dos sonhos. Sonham e correm para a biblioteca para ler sobre o significado dos seus pesadelos ou de outros mais privados.” Informaram-nos, sorrindo. “O livro estava para aí, já em fanicos, e acabou mesmo por desaparecer” Continuou a reclusa “O mais certo é ter sido roubado…tal o interesse…” Corroborou outra residente. “Alguma que saiu em liberdade e levou o livro dos sonhos consigo.” “Ou foi mudada de pavilhão e não devolveu o livro. Acontece muito, sabe…” Atalhou a mais velha. Foi a partir deste episódio que resolvemos criar uma ferramenta simples para identificar as tendências leitoras das mulheres detidas naquele pavilhão (cerca de 170). Assim nasceu o “Perfil leitor”, um questionário sobre o tipo de livros que interessavam aquelas mulheres, uma lista de desejos que transcendia, em muito, o rudimentar registo dos empréstimos existente à época na biblioteca prisional. A intenção era outra – queríamos saber o perfil leitor, presente e futuro do Pavilhão, através de um quadro onde os géneros literários vinham identificados não pelo rigor do cânon, mas sim num vocabulário regular, próprio de um conjunto de mulheres com nível de literacia essencialmente médio/baixo. E assim foi, partindo da análise das respostas obtidas começámos a completar a coleção. As reclusas responsáveis pela biblioteca acolhiam cada nova residente apresentando a biblioteca e entregando o questionário em mão, muitas vezes ali preenchido com ajuda, quer pelas dificuldades linguísticas quer pelo baixo grau de literacia. Ninguém ficava de fora, mesmo não sabendo ler, pois na biblioteca existe uma miríade democrática de recursos disponíveis. Ah! É verdade – quem nos arranjou o livro foi o senhor Valentim, alfarrabista brasileiro da Charneca da Caparica, nosso colaborador e seguidor atento do projeto. Obrigado à sua Biblioteca Cultural Central das Ideias que funciona no meio da rua junto ao mercado da Freguesia.


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