Encontro normal com a diferença

Foto de ensaio: por cortesia da Companhia dançando com a Diferença
Uma fotografia não chega para dar ideia da riqueza de conteúdos gerada pelo debate, que teve lugar no Espaço do Tempo (Montemor-o-Novo) no âmbito do IV Encontro Normal com a Diferença, promovido pela Companhia Dançando com a Diferença. Este debate abriu uma semana de trabalho intenso em residência criativa que juntou uma mão cheia de jovens bailarinos, cada um com a sua diferença, nas instalações do Convento da Saudação. O trabalho criativo desenvolveu-se em torno do conceito de poder e foi por aí mesmo que a conversa começou na sala da lareira. Tive, como companheiros de tertúlia, Luísa Taveira (Companhia Maior), Maria de Assis (Descobrir/Gulbenkian), Henrique Amoendo e Clara Andermatt (estes últimos, anfitriões do projeto). A relação entre Poder e Deficiência tem diferentes leituras e a nossa conversa refletiu isso mesmo: por um lado, o Poder encarado do ponto de vista dos governos, sociedade, direitos desejados, preconceitos instalados e a relação turbulenta que deste ponto de vista se estabelece com as pessoas diferentes. Por outro lado, o poder impactante que a comunidade deficiente pode ter na transformação da sociedade, usando esse poder da diferença através da expressão artística – O artista possui um poder que lhe advém dessa diferença criativa. Ficou claro, para quem assistiu ao debate, que os públicos também se educam no sentido do entendimento pleno do objeto artístico produzido em palco, por um ensemble onde pontuam bailarinos ditos normais num processo colaborativo com colegas diferentes – Uma situação bem distinta da ida ao “gabinete de curiosidades” ver os coitadinhos dos deficientes. Como contributo para o debate, foi-nos fornecido um excerto de uma interessante entrevista com Bruce Gladwin, diretor artístico, e Alice Nash, produtora executiva do Back to Back Theatre que, em determinada altura, refletem sobre o poder manipulador de um encenador ou outro mediador artístico sobre os artistas diferentes. Diz Bruce Gladwin: “Os atores têm uma palavra a dizer no processo de tomada de decisões? Alguém lhes pôs palavras na boca? São no fim de contas marionetas dentro da peça? Isto é realmente uma questão de exploração. Acho que são perguntas ótimas e saudáveis. ... Como encenador de um grupo de artistas que são todos percebidos como tendo uma deficiência intelectual, estou muito consciente do potencial abuso de poder que existe nesta relação... Há responsabilidade de exercer um cuidado criterioso…”  A talhe de foice, Luisa Taveira fez-nos pensar sobre a Ética no trabalho com pessoas diferentes. Escutei e fiz um relance interior para a minha prática de mediador artístico junto da diferença- Será que fui sempre linear e honesto? E quando tive pressa em obter resultados? No debate em que todos participámos, cada um com o tempo que necessitava para se expressar, foi claro, honesto de uma horizontalidade rara. Destaco aqui a forma clara, assertiva, como Henrique Amoendo conduz as conversas com os diferentes artistas, tornando-as biunívocas. Lembro-me de ter pensado que o palco é o lugar mais inclusivo neste trabalho com a diferença.

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