Casas-museu: Mediar pessoas na casa da Pessoa
Contributos para uma programação de proximidade
Casa- Museu Abel Salazar (Foto de Carlos Romão) |
A 22 de abril estive presente na casa Museu Abel Salazar, a
convite de Luísa Garcia Fernandes, no 2º Encontro Nacional de Casas-Museu sob o tema "Programação Cultural em Casas-Museu". Foi
um daqueles encontros em que foi muito mais importante o que escutei do que
aquilo que disse. Sei pouco sobre Casas-Museu e fiquei conquistado pela ideia
subjacente a estes espaços idiossincráticos (1). E o que disse no encontro, partiu
de um exercício típico de quem não conhece bem o tema: primeiro pesquisei
livremente e depois tentei colocar-me no papel de mediador num desses espaços
museológicos. E se tivesse que programar o “educativo” para um destes Museus?
Que princípios seguiria? Será que conseguiria trazer a minha prática para estes
lugares? Aqui ficam algumas reflexões
dessa livre deambulação em torno do tema…
Era uma vez um Museu
tão perfeito que nem necessitava de visitantes.
Tenho andado a revisitar a Utopia, a ilha que tanto
almejamos e que poderia bem representar uma casa-museu perdida numa malha
urbana ou no centro de uma aldeia cercada por bosques. No livro de Thomas Moro
a fantástica Utopia é de difícil acesso devido a condições quer naturais quer artificiais.
Alguns dos nossos museus são assim – perfeitos. De nada nos serve
encerrarmo-nos no nosso conciliábulo habitual ( que até dispõe de um dialeto
inventado - talvez o Musês?) e que
apenas serve para alimentar monólogos criativos. Era bom ter alguém com quem
falar… Pois bem, vamos cumprimentar o vizinho. Este pode ser um bom princípio
para a construção de uma programação de proximidade. Desse olhar que o outro
tem sobre o museu (e a sua coleção) podem surgir novas ideias. Que relações têm
os vizinhos com aquela casa que se transformou em Museu? Que histórias ocultas
ficaram por contar?
Então vamos lá
conhecer a comunidade envolvente, observar o movimento de quem passa.
Conversar, estabelecer laços que poderão gerar parcerias, nascidas, por vezes,
de situações informais. Ter a porta aberta e bom balcão de atendimento (que é
sempre o cartão de visita do museu…). Gostar de sentir gente na casa: querer
mesmo ter público. E, afinal de contas, alguém tem de receber o Outro à porta
de casa: - Está à porta um grupo sénior e também uma turma inteira…Ah!... Quase
me esquecia, logo pela fresca chegou um casal de namorados e a vizinha veio
perguntar se poderia fazer a festa do neto no jardim da Casa.
E que tal estar presente
nas iniciativas da comunidade? E porque não participar nos debates em torno do
“plano diretor municipal” ou de um “orçamento participativo?” Estar próximo
pode significar ceder o espaço para eventos comunitários...
A escala do museu é
importante? “Small is
beautiful!”- Uma escala humana. O
serviço educativo, por vezes, é só uma pessoa ou não existe… Importa saber
mediar ou ter um mediador de museu a trabalhar no espaço, acompanhando e
intervindo na programação pensada. Bem sei que por vezes o mediador é
simultaneamente curador ou conservador - as equipas são pequenas... Uma
experiência interessante, já vista noutros museus, é a dos visitantes-tutores,
habitualmente dois ou três jovens de escolas da redondeza que são voluntários
no museu. O segredo é conseguir que a comunidade se aproprie do espaço, que
frua inteiramente o museu e tenha sobre ele influência, não só na programação
mas também sobre decisões de fundo.
Ter atenção aos
problemas de comunicação específica para cada casa-museu. Quais os canais e
os meios apropriados? Já aconteceu ter uma boa programação e não ter
participantes; isto pode significar que a comunicação não está a ser adequada.
A mensagem pode começar por ser transmitida através da relação interpessoal e
continuar pelos meios de comunicação tradicionais, pelos media, pela web, mas
deverá ter sempre um cunho de proximidade e bem personalizada. Se possível,
estar disponível através das redes sociais e ao alcance de um telefonema. Uma
programação bem divulgada faz sempre a diferença.
Para programar, terei
de conhecer bem a personalidade da casa. Sim. A casa é uma entidade com
vontade própria. Importa conhecer bem a coleção e entender o seu carácter e,
também, algumas características secretas. Talvez seja um bom lugar para jogar
às escondidas ou procurar fantasmas… A Casa-Museu é a casa da Pessoa - o lugar
ideal para trabalhar autobiografias, com autorretrato e tudo. Trabalhar a
memória e o tempo. Lembrei-me de uma brincadeira educativa:
-Já agora, senhor visitante…Como poderia ser a sua
casa-museu? Como seria composta a sua coleção? Acha que as pessoas se vão
interessar por aquilo que nos mostra?
Que experiências significativas poderei providenciar para o
meu público?
Eu programo. Tu
programas. Eles visitam.
Programar partindo do acervo entendendo realmente o que ele
significa.
Programar tendo em conta a arquitetura, ela também objeto de
mediação
Programar acessível e inclusivo.
Programar transgeracional.
Programar variado e transversal, nesta era de modernidade líquida.
Programar estruturando de forma diferente, em diferentes
línguas do planeta: visitas, visitas oficinas, fórum, visitas às reservas,
oficinas de férias, visitas cantadas, dançadas, visitas contadas,
oficinas-surpresa…
Programar pensando na utilização de diferentes recursos
expressivos.
Programar de mente aberta e preparado para os imponderáveis.
Programar sem vergonha e inspirado.
Programar com fio condutor (possuindo metodologia própria).
Programar construindo respostas para os diferentes públicos
(escolar, famílias, emigrantes, namorados, sénior, institucionalizados …).
Ousar programar com o
outro, para além do para o outro.
Propor uma pedagogia de projeto nas casas-museu que permita
a apropriação livre da coleção por parte do público (os vizinhos), gerando
diferentes leituras e novos conteúdos, outra forma de fruir o museu. Possuir um
bom espelho para devolver as questões aos visitantes, para que estes
acrescentem significados ao mesmo tempo que enriquecem a sua visão sobre o
mundo. Construir projetos de continuidade e fidelização de públicos. Assumir
que na casa-museu também se educa – educação não formal, mas educação e da boa!
Nunca esquecer de avaliar! Avaliar
sem dramas! Avaliar
construindo respostas. Registar, documentar guardar e partilhar. Recolher os
Ecos da passagem pela casa.
(1) A casa-museu (aldeia-museu) que mais me marcou na adolescência foi a de Selma Lagerlöf em Marbacka (Värmland – Suécia)
Durante o encontro tivemos a possibilidade de conhecer a Casa-museu Abel Salazar numa excelente visita conduzida por Luísa Garcia Fernandes. Obrigado Luísa pela hospitalidade e oportunidade de conhecer este outro universo dos museus. (mais fotos do encontro) |
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