Mediação leitora e necessidades educativas especiais: Um texto geral

É certo que a mediação leitora contribui para criar jovens capazes de opiniões autónomas, desenvolvendo a capacidade de ler o mundo atual, potenciando uma cidadania plena.
Focando o nosso olhar nos alunos com necessidades educativas especiais, em que medida o livro e as estratégias de mediação leitora têm, também, um efeito terapêutico com reflexos na aprendizagem curricular?
Começaremos por afirmar que os processos de génese leitora são os mesmos dos alunos designados como regulares. Com estes alunos específicos, também trabalhamos a “memória leitora”, a “antecipação leitora” e, sobretudo a “competência da palavra” (oralidade), como domadora de conteúdos, antes e durante a aprendizagem da escrita.
O problema maior reside na receção da informação e no acesso à matéria escrita. A variedade de situações identificadas entre os alunos designados como alunos especiais, geram respostas diferentes no trabalho da mediação leitora especializada para este grupo particular. Para cada pessoa há, e tem de haver, um modo diferente de aproximação ao livro.
Um universo variado com diversas respostas
 Se no caso do espectro do autismo o primeiro passo é captar o interesse, a atenção, para poder trabalhar a mensagem do livro, não tendo nós a certeza do grau (profundidade) de apreensão dos conteúdos, noutras situações, por exemplo de défice cognitivo, a mediação ativa da leitura promove o entendimento da matéria escrita. A ilustração (imagem) é fundamental junto destes alunos especiais, sendo uma ferramenta para a compreensão leitora, entendida aqui sem a presença da leitura funcional.
O suporte livro é usado habitualmente para trabalhar aprendizagens identificadas como essenciais para a “normalização” do aluno: competências sociais, incluindo o quotidiano funcional, estando a fasquia apontada predominantemente para a leitura e matemática. A mediação leitora trabalha globalmente os diversos entendimentos do mundo, exercendo a sua influência sobre essas aprendizagens. A literatura e as histórias são um campo de excelência para o trabalho em torno do jogo simbólico, atuando as personagens dos enredos como terapeutas acidentais de conteúdos, criando relações e entendimentos com o mundo real.
Quanto à problemática da paralisia, sem nenhum outro fator de deficiência associado, o problema parece residir no acesso aos meios tecnológicos (interfaces digitais) que permitem a fruição da leitura e da escrita. Escusado será dizer que a leitura e a escrita, em contexto de dinâmica mediadora, manifestam um grande poder projetivo junto dos alunos com perturbação/doença mental contribuindo para a sua evolução terapêutica. Na abordagem da dislexia é frequente ver psicólogos e professores usando o livro infanto-juvenil como ferramenta, a par de jogos cheios de intenção gráfica. Alunos cegos ou de baixa visão têm uma abordagem específica nas escolas de referência, ganhando grande importância a narração oral e a leitura em voz alta (sendo muito apreciados os textos descritivos, de linguagem sensorial e humor quotidiano); os objetivos são estabelecidos em direção à literacia tátil, orientação e aprendizagem da escrita Braille a par do curriculum normal. Quanto à surdez, existem dois universos distintos: por um lado alunos com implantes cocleares que integram a escola normal (com apoio de terapeutas da fala), por outro, alunos que fazem parte da comunidade de surdos, usando no seu dia-a-dia a Língua Gestual Portuguesa (LGP), sendo natural a aprendizagem da leitura no Português escrito, embora com metodologia própria. Neste campo particular, os tradutores LGP – Português têm grande importância pois ao acrescentarem expressão e riqueza vocabular à tradução do texto escrito, potenciam o gosto pela leitura.
A Mediadora da leitura Cláudia Sousa com um grupo especial
Projeto Ideia.pt - Vila Nova de Paiva
As bibliotecas escolares
 O papel determinante do trabalho com o livro, a leitura, a literatura e as literacias, bem como o valor crucial da inclusão conduzem-nos necessariamente a um agente incontornável em qualquer estratégia: a biblioteca escolar, entendida como estrutura essencial do processo educativo na escola e, ainda, enquanto recurso em todas as dimensões – físico (sem barreiras), a documental (coleção e ferramentas para leitura em múltiplos suportes), e humano (equipa preparada e motivada para a colaboração com docentes e não docentes, e para a individualização de respostas a cada leitor, em tempos letivos mas também não letivos). Neste sentido, são de mencionar as linhas de orientação desenhadas desde 2012 pela RBE, através do projeto Todos Juntos Podemos Ler, envolvendo numerosos agrupamentos de todo o país.
A gestão do curriculum é assim aprofundada e desenvolvida com novos recursos e de modo mais fluido e menos penoso, com a ajuda da mediação leitora, sempre em articulação com as propostas que o agrupamento prioriza, tendo em conta as necessidades concretas identificadas.
As ferramentas de mediação da leitura e do livro
 É grande o conjunto de ferramentas que os mediadores da leitura usam no seu trabalho no terreno, mas apenas referirei as que habitualmente utilizo junto do público com necessidades educativas especiais. A primeira ferramenta é sempre o nosso corpo: o olhar, o toque, uma disponibilidade quase animal para a comunicação.
No início, sempre a palavra, o desenvolvimento da capacidade de comunicação de conteúdos através de jogos de oralidade, lenga lengas, pequenas canções e desafios onde a presença do corpo é constante. Depois, pequenos textos, livros de imagem, partilhados em momentos ritualizados ou de surpresa em contextos variados.
Pequenos exercícios onde os sentidos se ligam às narrativas ou à construção de frases, recorrendo a meios aparentemente alheios aos livros. Sempre que possível, aplico metodologias participativas em escrita criativa ou trago, da educação artística, elementos plásticos que se aplicam transversalmente para um determinado objetivo.
É comum a utilização de meios informáticos e áudio visuais pela sua presença sedutora. Uma leitura da documentação variada existente em miguelhorta.pt dará uma imagem mais clara dos recursos aplicados e dos contextos.
Como sempre, as ferramentas valem o que valem, pois o mais importante é ter objetivos claros e realistas em relação ao grupo particular de alunos com quem se vai trabalhar

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