Marcolino, o trolha. Palavras Andarilhas 2012
PALAVRAS ANDARILHAS: Histórias
para caber numa mala – Coleção de textos: António Torrado, Luisa Ducla Soares,
Rodolfo de Castro, Margarida Fonseca Santos, Isabel Minhós Martins, António
Mota, Miguel Horta – para assemblage de objetos de Jorge Pereira. Na cave da
Biblioteca Municipal de Beja, aberta durante o encontro.
Em baixo “Marcolino” o texto da minha participação nesta bela ideia. Obrigado Jorge.
Em baixo “Marcolino” o texto da minha participação nesta bela ideia. Obrigado Jorge.
“Ó rapaz! Ó
rapaz!” E o velho a vociferar lá de baixo. “Ó trolha! Mandrião, não é para isso
que te pago!” E lá voltava com ditos acres o mestre da obra, palito ao canto da
boca, nariz espetado para cima, para o andaime. Trolha…pensou. Eu cá sou
pedreiro, e dos bons! Trolha era no tempo do meu pai e ele tratava o cimento
por tu. Velho d’um cabrão… E ele a dar-lhe, a espicaçar. “És trolha, és…e fazes
o que eu te mando ó gabrirú. Isto aqui não é saída ao sábado à noite com as
flausinas! Isto é coisa de homens!” Era tão fácil… imaginou Marcolino. Era só
deixar cair o tijolo direitinho que a natureza fazia o resto: acidente de
trabalho. A gravidade não engana. Sabia porque é que o velho andava espigado.
Vira-o no sábado à noite a rondar a filha no café do bairro… Ele bem se
aproximara da miúda, linda de morrer… Mas a chavala parecia que não dava troco.
Estava lá com as amigas agarradas ao telemóvel acompanhadas por um tipo com ar
engomado. Mas, mesmo assim a Susanita olhara. Ó se olhara…ele bem vira o brilho
afirmativo nos seus olhos fugidios. Só que o mestre-de-obras e pai estava lá a
beberricar bagaço com os seus amigos murchos da sueca, a mirar, a mirar: agora
fazia-lhe a folha… “Quero essa fiada toda pronta agora de manhã, ainda há muito
para ladrilhar no rés-do-chão. Ouviste ó engatatão das dúzias?” Ladrava o
velho. Tu não sabes é do sorriso dela, cheio de promessas, à hora de fecho da
esplanada. Sou trolha, sim. Mas assim que largo o trabalho sou o Marcolino
limpinho, impecável. Ou não sabes que tenho mais estudos que tu? Que tenho
outra vida muito mais interessante que a tua? Afinal só me vês com o pó do
cimento agarrado à pele suada… Nem sequer conheces a minha música…”Lino! Lino! Passa-me
mais um tijolo” Pedia o colega no varandim do telhado de mão estendida. “Passa
lá. Vamos é vergar a mola! Não ligues ao gajo.” Marcolino empoleirado no
andaime alçou o tijolo ao colega e o seu calcanhar rodou inadvertido, precipitando
um tijolo esquecido pelo vazio das alturas.
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