"A cor das histórias" na prisão do Montijo
A meio do novo ciclo de sessões pelos estabelecimentos
prisionais com o projeto "A cor das histórias" (DGSP/DGLB). Ontem usei a “Máquina da poesia” numa sessão muito concorrida na
prisão do Montijo. Tive que controlar alguns feitios mais angulosos e as horas
passaram sem se dar por isso. Toda a gente escreveu um pequeno poema ao jeito
dos Haiku. No meio de tudo, oiço queixas. A prisão está sobrelotada, faltam
coisas essenciais, os educadores são poucos para as solicitações dos reclusos. Falam-me
de fome, resultado de intervalos muito prolongados entre refeições (12.00 – 17.30);
o jantar à hora do lanche dá lugar à entrega de um reforço alimentar que é
jogado como moeda na mesa da sueca. Por vezes trocam-se as canetas que
serviriam para escrever poemas nas minhas sessões por cigarros… No meio de tudo
um lamento que reconheço e me deixa zangado: o acesso à biblioteca, aos livros.
No Montijo a biblioteca prisional encontra-se na área escolar, sendo necessário
atravessar níveis de segurança; os presos não têm acesso livre à casa dos
livros: só lá podem ir uma vez por semana e poucos de cada vez (3). Quantas
vezes não falei desta situação? Mas a estrutura é empedernida. Relembro uma
proposta da Maria Cabral para contornar a situação: um carrinho com livros que
circularia pela zona prisional interior. De qualquer forma alguns reclusos já
começaram a ler, aceitando algumas sugestões que vou fazendo, à medida que os
vou conhecendo. A presença da professora de português deixa-me tranquilo,
identificamo-nos no método de trabalho e estou certo que saberá aproveitar a
energia positiva que nasce nestes encontros; muitos reclusos estão desiludidos
com a escola e avessos ao trabalho em torno das palavras. Debatem-se assuntos importantes
neste espaço da biblioteca. Inevitavelmente exponho-me, conduzo pulsões,
devolvo a palavra, proponho, escuto, respondo e pergunto: saio muito cansado ao
final da tarde, perto da hora de “jantar” no estabelecimento prisional. Fico um
bom momento parado no carro, olhando o bairro social em frente, arrumando
ideias antes de ligar a ignição.
Excelente descrição. Trabalho tão meritório quanto exaustivo. De louvar.
ResponderEliminarE terminou ontem no Montijo. Tenciono escrever mais um texto falando deste novo ciclo de sessões em Pinheiro da Cruz e Montijo. Está prometido. Foram dias difíceis os últimos: greve de fome nas cadeias... a crise chega aos estabelecimentos prisionais...
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