Quando cheguei a Cabo Verde em 1980, a
rádio nacional passava com frequência a canção “Sema Lopi”,
deixando ficar no ar uma atmosfera de doce tristeza, num tema autobiográfico que
aborda também a condição da mulher rural cabo-verdiana (interior) e a dureza do trabalho no campo. Reza assim o pedacinho da letra: "Quem pare um macho, pare um cordão de ouro, quem pare fêmea pare a levada, quem pare macho é para servir o rei, quem pare fêmea é para servir o mundo". Esta canção acompanhou o
meu olhar enquanto percorria algumas ilhas do País, fustigadas pela
seca. Foi nessa altura que nasceu um profundo respeito pela
resiliência crioula e passei a entender melhor a imigração e a
cultura daquelas ilhas. Regressado a Portugal com a canção ainda a bailar na minha cabeça, acabei por pintar um conjunto de obras a que chamei
“Pinturas de uma viagem a Cabo Verde". Eis porque escolhi este tema como apontamento no início do conto “O poço”. Ouvi muitas vezes o Lalaxu
(Horácio Santos) falar de superstições e crenças sobre a morte na
tradição oral cabo-verdiana, recheada de histórias de “Finadu”,
muitas vezes acompanhando preceitos tradicionais para com a Morte na
cultura das ilhas: a “Finason” ou o levar água e comida ao morto
durante 7 dias (…). Resolvi contar a partir da crença de que à
volta de fontes e poços há sempre muitas entidades, neste caso,
almas do outro mundo que se sentam em torno do poço em amena
cavaqueira. Germano Almeida menciona esta mesma crença, associando-a
à tradição oral da Boavista, num conto publicado na antologia
“Tchuba na desert”. Agradeço, mais uma vez, ao Mário Romão
(RTP África) e à minha amiga e companheira dos contos Ana Sofia Paiva, a possibilidade deste registo de temática Africana. Boa escuta! Conto: https://www.rtp.pt/play/p7330/e485897/quem-conta-um-conto
Comentários
Enviar um comentário