Notas sobre recensão inclusiva de livros


Ao longo deste ano, temos debatido na Laredo Associação Cultural a questão da escolha e recensão de livros dedicados a leitores especiais, lado a lado com todos os outros. Escutámos Alexandra Lobato (Terapeuta) que chamou a atenção para o facto de a inclusão começar dentro de nós e quando nos pomos a escolher livros, só para esta ou aquela característica especial, estaremos a criar categorias discriminatórias. Lembrámo-nos de Olga Lalin (professora bibliotecária-Galiza) que nos fala da escolha dos livros de acordo com os interesses especializados de alunos autistas. Recordei um episódio contado por Cláudia Sousa (mediadora do livro e da leitura) em que um adolescente do campo do autismo, que sempre “consumia” livros com versão cinematográfica, um belo dia, vendo a mãe muito interessada num livro com um tema duro (prisões), resolveu largar a "sétima arte" e pegar nele, lendo-o de fio a pavio durante 3 dias...remetendo-se ao silêncio sobre o seu conteúdo.

Com a douta opinião de Maria José Vitorino, entrosando conteúdos e alargando o horizonte da inclusão, chegámos a este formato que agora se partilha, aberto ao vosso experiente contributo.

Antes de começar a falar de livros deveremos colocar uma espécie de “óculos” para podermos ler os leitores, com acuidade. Esses “óculos inclusivos” vão dar-nos um ponto de vista justo e equilibrado sobre os processos de mediação e escolha de livros para diferentes grupos de pessoas. Rapidamente nos apercebemos que, no horizonte das literacias, nos deveremos colocar num ponto de vista claro, para poder identificar, com objectividade, fenómenos e situações de Exclusão que vão condicionar o acesso à produção cultural. Esse olhar apurado vai permitir entender que para diferentes leitores existem diferentes respostas.Identificar as diferentes exclusões vai ajudar a conhecer a nossa biblioteca através desse ponto de vista. As exclusões podem ser de natureza distinta: cultural, linguística, religiosa, económica, geográfica, por doença, por deficiência física, por diversidade funcional de diversas origens; sabendo nós que as exclusões tendem a agrupar-se num mesmo indivíduo. Estes “óculos” reveladores, assim que poisados nos livros, conseguem identificar, também, as apetências intrínsecas da nossa biblioteca. Assim, este ou aquele livro, jogo, documento audiovisual, ou outra peça da coleção, ajusta-se à Promoção da Inclusão, ou é potencialmente Inclusivo, ou, ainda, claramente Acessível a este ou àquele grupo de leitores.Importa, porém, fugir da solução tentadora, e quase taxonómica, de organizar os livros de acordo com a deficiência ou característica de exclusão dos nossos leitores especiais. Através da nossa óptica, um olhar humano confirma que, a montante no leitor, existe uma personalidade, gostos e interesses específicos que potenciam escolhas e, sobretudo, um nível etário (1), um nível de leitura (2), e, ainda, uma relação com a língua da obra (3), que permitem estabelecer naturalmente o momento ideal para as descobertas leitoras – e só depois de ponderados estas dimensões se contempla o factor de diversidade funcional. Assim, a selecção dos livros surgirá sempre do entendimento desta diversidade humana, com base na experiência real da mediação leitora e na consciência bibliotecária, consequência de um olhar apurado através de lentes inclusivas.

[1] Níveis definidos no Catálogo PNL : 01-2, 3-5, 6-8, 9-11, 12-14, 15-18, maiores de 18 anos [2] Níveis definidos no Catálogo PNL: Pré-Leitura, Inicial, Mediana, Fluente. [3] Línguas identificadas no Catálogo PNL: Português, Inglês, Francês, Espanhol. Outras, como a Língua Gestual Portuguesa, Língua Cabo-verdiana (Crioulo/ALUPEC) e o Mirandês poderão ser adicionadas.
2019. Miguel Horta
Apresentam-se em seguida alguns exemplos de aplicação - livros acessíveis. Excerto de trabalho desenvolvido por Miguel Horta e Maria José Vitorino - Laredo Associação Cultural, 2019.



Pieper (2007) Sem rumo pelo mundo

Sem rumo pelo mundo – Catarina e o urso / Christiane Pieper, trad. Dora Batalim ; il. Christiane Pieper. - 2ª ed. - Kalandraka, 2007Livro recomendado PNL2027 - Antes 2017 - Literatura - intervalo etário recomendado pelo PNL: dos 3-5 anos - Pré-leitura
Catarina e o urso partem pelo mundo, e a cada página dessa viagem fazem movimentos diferentes com o corpo que podemos imitar à medida que avançamos. Um livro inclusivo, dinâmico para trabalho em grupo ou individual, cheio de propostas para educação física (psicomotricidade). As ilustrações são claras, favorecendo uma leitura rápida das imagens, o que é muito útil com leitores com baixo foco, como é o caso das perturbações do espectro do autismo. A clareza das imagens dispensa o recurso aos símbolos pictográficos para comunicação (SPC). Um livro muito interessante para trabalhar em grande grupo, inclusivo, cruzando a leitura com o movimento. Esta obra sugere a escuta de uma música ritmada para acompanhar a marcha pelo mundo. RIL 2019
Ler mais: Catálogo. Ver também: guião de trabalho Laredo



Morgado (2008). - Mamadu, o herói surdo

Mamadu, o herói surdo / texto e il. Marta Morgado. - Surd'Universo, 2008
A história de Mamadu, um menino surdo nascido na Guiné-Bissau, que deixou a sua família e foi para Portugal, para uma escola especial onde aprendeu que se podia falar com as mãos e com rosto, com outras pessoas que não ouvem. O seu desejo é voltar ao seu país para ensinar aos meninos e meninas o que aprendeu. Um dos livros mais populares entre a comunidade surda portuguesa e que pode servir muito bem para a promoção da inclusão, ao falar do ponto de vista de um menino surdo e africano. A história é contada em Língua Gestual Portuguesa num DVD que acompanha o livro e que contém algumas entrevistas com alunos guineenses que fizeram o mesmo percurso de aprendizagem. RIL 2019
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Cottin (2009). - O livro negro das cores

O livro negro das cores / Menena Cottin, il. Rosana Faría ; trad. Miguel Gouveia. - Bruaá, 2009Livro recomendado PNL2027 - Antes 2017 - Literatura - intervalo etário recomendado pelo PNL: dos 9-11 anos - Mediana
Um livro que nos propõe um mergulho sensível no universo da cegueira pela mão de um menino, o Tomás, que afirma que o amarelo sabe a mostarda. Livro de páginas negras com texto a cinza claro, com a versão do texto em Braille e as ilustrações impressas com verniz denso, criando um alto relevo. Alguns cegos queixam-se da definição do texto em Braille e nas ilustrações, resultado da utilização de verniz na impressão – o relevo é demasiado baixo não permitindo uma leitura táctil fluente. Esta obra permite um diálogo rico com as crianças que o veem, experimentando o tacto e outros sentidos à medida que a vão folheando. Todo o livro apela a uma compreensão inclusiva. A editora fornece um tutorial em linha para apoio na exploração deste livro. RIL 2019
Ler mais: Catálogo. Ver também: guião de trabalho Laredo

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