O que nos disse um retrato...
As nossas Miss Constable
Chegámos ao fim do ano letivo
e acho que estou bem feliz com os resultados da minha oficina “O que nos diz um retrato”, no Museu Gulbenkian. Claro que as últimas realizações ficaram mais
oleadas com a prática; mais oficinas existissem, melhor seria o resultado. “O
que nos diz um retrato” é a única oficina que realizo atualmente para o setor
educativo do Museu Gulbenkian, no campo das necessidades educativas especiais,
colaboração que iniciei em 2005, a convite de Susana Gomes da Silva. Nestas
oficinas, o público foi constituído, maioritariamente, por grupos de participantes
portadores de doença mental. Nas primeiras duas sessões, os visitantes foram
convidados a conhecer o Museu Gulbenkian e as suas obras de forma descontraída,
desvendando, aos poucos, as histórias escondidas “por detrás” de cada peça
exposta.
A conversa em torno dos diferentes retratos é dinâmica, gerando
opiniões surpreendentes no público visitante. A riqueza vocabular cuidada,
adaptada à composição de cada grupo, deve ser intuída logo no início, sendo
fundamental que o monitor possua uma competência da palavra que permita ir do
sinónimo até ao adjetivo mais expressivo para uma comunicação bem-sucedida.
Mais uma vez a empatia das pessoas que gostam de comunicar com o outro, torna-se
evidente numa relação, que embora limitada no tempo, tem grande
intencionalidade de afecto. O Museu é
uma “Máquina do Tempo! A linha temporal é estabelecida, não com datas a decorar,
mas sim com referências enraizadas na cultura geral (e até popular) garantindo
a perceção do tempo na arte e no discurso expositivo: “Um pouco antes deste
momento, em que Carpaccio pintou o quadro, Alvares Cabral, chegava ao Brasil”
ou “Reconhecem aquele cabelo?” “Faz lembrar a cabeleira do Marquês de Pombal!”.
Diz um participante “Pois bem" Respondo, "o quadro foi pintado no ano em que se deu o
tremor de terra” A propósito do “Século
das luzes”, um dos núcleos da coleção de
Calouste Sarkis Gulbenkian, toda a visita se torna bastante interessante, pela intenção evidente dos pintores da época, ao criarem retratos onde se
evidenciam os universos pessoais dos retratados, onde a sabedoria, o “bom trato”
muitas outras características humanas e socialmente muito úteis se evidenciam. Para
cada peça uma abordagem específica com objetivos comuns estabelecidos
anteriormente, mas que devem surgir como um rio fluindo na comunicação entre
pessoas. Por exemplo, quando abordo o busto de Molière, faço uma adivinha,
interpelando os participantes sobre a origem da peça. “Conseguem identificar a
personagem ali reproduzida? A cabeleira é verdadeira ou falsa? Vou fazer uma
adivinha sonora…” Agacho-me sobre o belo soalho de madeira do Museu Gulbenkian
e faço “as pancadinhas de Molière” batendo com os nós dos dedos no chão. Adivinham sempre... Serve este
exemplo para mostrar como é importante fazer apelo a todos os sentidos dos
visitantes especiais, quando fazemos visitas ao Museu. Depois desta experiência
de percurso descontraído pelo museu, durante duas sessões, segue-se a
preparação do trabalho em ateliê.
Cada participante é desafiado a escolher uma
personagem de uma peça do Museu. A partir deste desafio, constrói-se a proposta
plástica que vai ganhando autonomia e expressão. Aprofundamos, em oficina, a
história da peça escolhida, apresentando intertextualidades interessantes ou
divertidas sugeridas pelas personagens dos quadros. Surgem as perguntas: “E se
eu vivesse naquele tempo? O que faria se a personagem do quadro viesse aos
nossos dias? E se eu vivesse na época? Como seria a cidade onde vivia a
rapariga do quadro? Em que estação do ano foi pintado?” Todas as perguntas
facilitam respostas espelhadas em desenhos originais. Em certos momentos, cai
um silêncio enorme na sala – utentes e técnicos estão tão absorvidos nos desenhos
que dão corpo ás suas personagens adotadas no Museu, que não dizem uma palavra.
Depois vem o trabalho com
base em fotografias onde o corpo recria as poses das personagens escolhidas.
“Lembra-se da posição em que estava o nosso burgomestre?” “Consegue imitar a
expressão subtil do rosto da marota da Miss Constable?” São sempre umas figuras
divertidas, as que fazemos no átrio do Museu Gulbenkian, quando tiramos as
fotografias no meio de outros visitantes… Quase no final da oficina mostro
algumas brincadeiras que fiz com ajuda do Photoshop (neste caso o Paintshop
Pro). A risada é geral! Todos querem ver as fotos “trabalhadas” dos colegas…
Sem darem por isso, mergulharam dentro das peças e as histórias dos quadros
passaram a fazer parte das suas existências…
Voltem sempre ao nosso Museu.
São tantas as personagens que vivem no Museu
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