Agora que minha filha visita os "Dias cinzentos"
Foi hoje que me lembrei de Mário Dionísio. Sim! O tal dos "Dias cinzentos" que li com gosto na minha adolescência. Mas foi numa dessas tardes em que os plátanos espalhavam o seu verde junto com a sua sombra alongada pelo pátio do liceu que, pela primeira vez, a imagem do homem se construiu dentro de mim... Estávamos nos "anos setenta".
Entrou na sala onde Eduarda, sua filha, nos estava a dar uma aula. Levantámo-nos respeitosamente, era assim que a "coisa" se fazia naquela época, e discreto ocupou um canto da sala. Era uma aula de Francês, com a pronuncia afinada com o " Le pelican de jonathan". Passsámos de seguida para a leitura de um texto...não me lembro qual (poderia até ser Jacques Prevert, poeta que Eduarda Dionísio muito apreciava e me ensinou a gostar).
Todos os alunos deveriam ler o techo do texto numa leitura pausada. Eduarda deu uma sugestão bem precisosa para os dias da minha vida logo ali no 5ºano (9º actual) : umas pequenas marcas a lápis, fora do território das vírgulas dariam o espaço para uma respiração ou pausa fundamental para uma melhor expressão na leitura. Quando chegou a minha vez, o nervosismo era muito e senti um hálito perfumado de cachimbo. Mário estava por detrás de mim, qual ponto, repetindo baixinho o texto a cada sobressalto meu. Num atropelo de palavras tropecei. Mário poisou a sua mão no meu ombro restabelecendo a calma. Então venci aquele parágrafo em Francês numa agilidade nunca imaginada. Ainda me lembro do calor da mão, junto com o seu peso.
Anos depois, encontro-me no balcão da "Casa Varela" no meio das minhas compras de pintor. Mário está lá, percorrendo o espaço com os olhos irrequietos, sua postura singular. Cumprimento-o, dando-lhe as minhas latitudes: pinto, conto-lhe. Não perde tempo e pergunta-me sobre a durabilidade dos pigmentos "Sabu", o chamado "acrílico dos tesos". Dou a minha opinião, encostado ao balcão de madeira, espantado por aquele homem que considerava "mestre" (não gosto nada do termo) pedir conselho a um jovem, tendo-o como igual.
Fragmentos...depois, o que lemos ajuda a construir aos poucos a imagem total...
A visitar, mesmo! : Casa da Achada - Centro Mário Dioníso
Caro Miguel, não o conheço mas adorei o seu texto. É comovente. Hoje estou a aprender a conhecer o Mário Dionísio na Casa da Achada. Sobretudo lendo os seus artigos e entrevistas porque faço parte de um grupo de «edições» que já publicou dois livros sobre ele. Os poemas são tb um grande prazer.
ResponderEliminarClara Boléo
Este texto é apenas uma memória. verifico com agrado que os jovens continuam a aderir bem a este livro. Obrigado pela sugestão.
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