Um jogo de imagens para promover a comunicação

 


Vou partilhar convosco uma metodologia/jogo que criei, há muito tempo atrás, para estimular a comunicação e a fala com uma criança do espectro do autismo (neurodivergente), com com quem interagi com frequência. Aos 2/3 anos, esta criança apresentava níveis elevados de energia (percorrendo a casa de lá para cá e cá para lá) e “investigava” já a escrita e a numeração, construindo sequências de letras e números ou escritos ou utilizando letras de plástico. Mas a comunicação com os pais era escassa e momentânea, não falava e não se interessava muito pelos brinquedos tradicionais, preferindo objetos que emitissem sons fora do comum.
Resolvi acompanhar momento a momento o dia desta criança, fotografando todos os objetos que ele utilizava ou que lhe eram familiares. Fotografei a comida especial, o tal bolinho que apreciava e os alimentos quotidianos. Documentei carros e elementos de arquitetura com que ele se deparava no dia a dia. E, claro, fotografei pessoas, família próxima e outros adultos com que contactava, incluindo o Pedopsiquiatra com quem “brincava” na terapia “Floor Time”. Não me esqueci dos animais domésticos, sobretudo o gato Farrusco. Com estas imagens construi um loto de pequenas peças, que cabiam bem na sua mão. Peças de madeira aparelhada com 5x5x0,3, habitualmente usadas para fazer aqueles ímanes que se colocam no frigorífico (o trabalho de transferência das imagens foi feito numa loja de fotocópias). Tive o cuidado de “limpar” as fotografias com ajuda do photoshop para que a imagem fosse nítida, sem outros estímulos visuais no fundo. Com estas peças/imagens é possível construir sequências lógicas e até contar pequenas histórias quotidianas. O reconhecimento dos objetos e ações relacionadas com as imagens apresentadas talvez pudesse despoletar o processo da fala.

Conjunto de "frases" despoletadoras, sendo a primeira a que referi no texto

Logo na primeira sequência que coloquei sobre a mesa, tendo o cuidado de retirar outros objetos e estímulos da mesa branca e colocando-me de frente para os seus olhos, e aproveitando um momento de paragem nas suas deambulações, ele viu rapidamente as peças e disse: “carro Pai casa Vovô, Farrusco” e depois pegou na minha mão e puxou-me para irmos embora... Foi um momento fantástico. Depois, ciclicamente, pedia-me a caixa do loto/jogo para ver as imagens e juntar algumas em linha. Mas aí já tinha começado a falar, e nunca mais se calou. Com o tempo percebi que o jogo tinha múltiplas possibilidades, até de brincadeira em grupo.

Partilho esta pequena estratégia a pensar em todos os Pais que passam por situações semelhantes com estas crianças desafiantes. É sempre possível inventar mais uma brincadeira (muito séria) para comunicar em família.

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