Escrever sobre uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de
minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no
meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
O desenho continua a ser uma metodologia pessoal para entendimento e explicação do Mundo. O desenho é concreto, preciso, mesmo quando é necessário traçar o indizível. A pintura estrutura-se na teia conceptual do desenho, ganha segurança e rumo de pesquisa. No meu trabalho, o desenho e a pintura sempre conviveram complementando-se, cruzando-se, cada um sabendo bem o seu lugar. O desenho e a escrita, embora de natureza distinta, têm propriedades comuns, juntando-se na reflexão e no plano, numa compatibilidade tão antiga como a própria história do homem.
Mas o desenho tem uma existência autónoma, um dialeto que se expressa de um modo distinto. Neste conjunto de obras, a introdução da ponta seca, a par do lápis, traz uma dimensão táctil às imagens.
Os diversos riscadores são numerados de acordo com a sua dureza e tom com que se expressam, distinguindo-se no traço. Assim, temos uma vasta família: 3H HB, 2B, 3B, 8B. Só para citar alguns. E o 0? Pergunto-me. Como é o zero? É o nada? E se o zero for o sulco invisível deixado pela ponta seca? Um lugar onde não é depositada nenhuma matéria deixando que o papel (o suporte) fale. E há tantos desenhos feitos com estes riscadores zero, sobre rochas, metal ou areia ... Perco-me nas diferentes possibilidades geradas por este labor silencioso...
A pedra foi o objeto eleito para esta pesquisa, o pretexto para que o lápis vá falando sobre o papel,. É certo que traz a geologia e o universo consigo, mas projeta muito mais, irmanando o público.
A atmosfera é o que sinto, vejam como respiro.
Miguel Horta
Fotografia de António Ventura
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