Serviços de Extensão Bibliotecária em tempos de pandemia

 

Este texto pretende ser um contributo para a reflexão sobre a Extensão Bibliotecária, no sentido de a tornar mais próxima dos utilizadores/população, reagindo pela proposta, à tendência geral para o isolamento. Linhas que surgem a quatro mãos, a pedido da Biblioteca Municipal de Oeiras, no contexto de uma formação de equipa.

Miguel Horta

Maria José Vitorino 


Para falar de
proximidade, comecemos por falar de distância

Entre a variedade de lições que temos aprendido com a pandemia, uma ressalta entre todas - a necessidade de criar novos meios e espaços de comunicação com o outro, para continuar a garantir a proximidade do trabalho pela literacia.

Plataformas como o Zoom, recursos como email, hangouts, skype, google classroom, teams, meets, …e outras, passaram a fazer parte do quotidiano dos técnicos,mediadores culturais, das associações, e estruturas, muitas inseridas no âmago das comunidades. E a bem dizer também de cada cidadão, que para marcar uma consulta no centro de saúde ou noutros serviços públicos tem de ir ao e-agenda, ao siga… até ao facebook!. Já para usar as bibliotecas, o panorama de ferramentas é muito variável, desde as adaptações dos acessos físicos presenciais ou por telefone, ao uso mais ou menos pensado mais ou menos testado de outros meios - portais, sítios web ou páginas em sítios ou em redes sociais, newsletters, propostas de animação com canais on line, publicação de conteúdos digitais da responsabilidade da biblioteca (tutoriais), conferências (streaming, ficando disponíveis depois)... Quanto mais ágil for a extensão bibliotecária no utilização das diversas ferramentas digitais, mais perto estará das diferentes gerações que procuram a Biblioteca ou sou agora a descobrem.

A. C. Moinho da Juventude

Estes recursos, por momentos fazem-nos esquecer a exclusão geográfica a que estão sujeitas um bom número de comunidades rurais, e também urbanas, de fracos recursos económicos, bairros envelhecidos do centro, dormitórios da classe média/baixa com poucos serviços e fraca comunicação entre vizinhos, ou simplesmente de localização periférica face aos itinerários de expansão dos meios e canais necessários para aceder à informação, e, ou, da literacia indispensável para os fazer funcionar em seu proveito.

Antes, durante e depois da pandemia, estas ferramentas de comunicação deveriam ser partilhadas entre os mais velhos (e outros) na perspetiva da “alfabetização” informática, [em espanhol ALFIN, em inglês Information Literacy] tão popular entre as comunidades imigrantes que acorrem, sempre que possível, à estrutura realmente mais próxima, para comunicarem com os seus familiares, separados pela diáspora.

Assim, os meios informáticos (redes de comunicação + acessibilidade de equipamentos),funcionais, em número suficiente e com monitores que possam acompanhar os utilizadores, constituem-se como oferta sedutora, fundamental numa Extensão Bibliotecária que se pretenda próxima. A oferta, a novidade, os serviços disponíveis, a conduta de mediadores e técnicos dos espaços, demonstraram ser fatores de captação de novos utilizadores, uma oportunidade de fazer novos leitores e de potenciar e ampliar o tipo de utilização, incluindo a leitura nas suas diversas vertentes e dimensões.

Capacitação de Mediadores Locais - Oeiras (Fundação Aga Khan)

O balcão, posto de acolhimento e também de “serviço de referência”, on line ou presencial, continua ser o cartão de visita de uma biblioteca, um factor de proximidade (ou de repulsa) na relação com as populações.

Veja-se o trabalho de itinerância do Bibliotecário Nuno Marçal, que em Proença-a-Nova leva o “Bibliobus” às aldeias, ajudando os mais velhos com o IRS, com a Banca, com os correios, com outras entidades prestadoras de serviços, ao mesmo tempo que vai promovendo o empréstimo domiciliário. Na Nave Voadora, directório que reporta o movimento das bibliotecas móveis, ou itinerantes, podemos apreciar a evolução dos serviços que cada “carrinha” potencia, reflectindo os frutos do exemplo do Nuno e ao mesmo tempo o grau de atenção às necessidades de cada população em cada território, numa atitude bastas vezes proactiva face aos desafios da pandemia, da iliteracia e do envelhecimento e do empobrecimento das pessoas que são o “seu” público, seu desde logo porque o conhecem de perto e por ele são reconhecidas como “coisa sua” e não como “agente estrangeiro”. Em plena pandemia, os serviços das bibliotecas móveis vêm revelando forte flexibilidade e adaptabilidade, mantendo o empréstimo e a circulação de documentos e adicionando utilidades para as diferentes populações que já contam com eles regularmente.

Itinerância de contos pelos lares do distrito de Castelo Branco
(Biblioteca Municipal de Castelo Branco)

Nem sempre outros pontos de acesso à leitura existentes no mesmo território e passíveis de ser frequentados pela população, ou por partes dela, são encarados como parceiros a envolver nos serviços da biblioteca, nomeadamente circulação/empréstimo, referência, apoio a pesquisas, formação, iniciativas de animação ou mediação; ex. bibliotecas escolares mas sobretudo as “bibliotecas” ou espaços de leitura/troca de ideias e informação não municipais - comunitárias, de freguesia ou de grupos informais.

Os pólos municipais de leitura constituem-se como oportunidade única para a promoção do acesso e redução das distâncias. Um modelo possível para estes espaços locais, próximos das comunidades, poderia ser o de uma espécie de Ludobiblioteca que se vai construindo em concordância com o ambiente envolvente.

Um espaço orgânico, organizando-se de acordo com a vizinhança onde está implantado, modular para permitir alterações a cada mudança social, onde a leitura esteja próxima do jogo, um lugar tendencialmente não escolarizado.

Espaço maleável, polivalente dotado de horário flexível de acordo com o quotidiano dos utilizadores.

Transversal nas idades dos utilizadores, inclusivo.

Democrático e informal, não normalizado mas eficiente no funcionamento dos serviços

Possuidor de coleções sedutoras, diferenciadas, em constante atualização, de acordo com a evolução dos frequentadores e o evoluir dos tempos.

Espaços que garantam a descontaminação e a higienização


Cada comunidade, cada bairro, dita uma resposta original, um desenho próprio. Importa ousar na estruturação destes espaços, propondo uma gestão democrática, partilhada, e envolvimento da juventude nessa tarefa. Para cumprir esta tarefa é fundamental conhecer a realidade humana que envolve o espaço. Convém dominar as línguas predominantes, conhecer os hábitos, culturas e religiões da vizinhança. Ser gentil, atento, conhecedor dos hábitos e gostos, promovendo a fidelização de utilizadores. Estabelecer o “Perfil Leitor” da comunidade para, serenamente, ir construindo uma coleção possivel que contemple material livro e não livro.Velar pela sustentabilidade das Extensões mais sensíveis, implantadas em locais estratégicos. Uma extensão bibliotecária atenta, conhecedora de todas as comunidades que habitam o território, refletindo em diversas coleções as culturas presentes (O Concelho de Oeiras tem um grande número de associações culturais e uma forte presença de Guineenses, Cabo Verdianos, Ciganos…) Apostar em iniciativas de capacitação frequentes, criando um corpo de mediadores locais, técnicos de diversas origens, cada vez mais apto a agir em proximidade. A formação parental e a capacitação de amas, nas vizinhanças mais desfavorecidas, vem sendo identificada como uma das tarefas educativas emergentes, a realizar pelas bibliotecas de proximidade. Promover a capacitação específica de quem estiver responsável pelo balcão de atendimento, peça fundamental do relacionamento em proximidade. Aproveito para relembrar aqui o projeto “Quintal das Palavras” da Fundação Aga Khan Portugal em parceria com a Laredo Associação Cultural e Biblioteca Municipal de Oeiras,que formou um conjunto de jovens mediadores, maioritariamente do Concelho, que desenvolvem a sua ação em diversas estruturas das comunidades urbanas.

A leitura pública, através das extensões bibliotecárias, encontra-se com os leitores do Concelho em locais de lazer tais como praias, jardins/parques ou lugares classificados, Museus, quiosques… Poderá ramificar-se organicamente onde for solicitada e de acordo com os recursos disponíveis, acrescentando qualidade de vida aos territórios.

O trabalho continuado de proximidade, produz os seus efeitos.
(Festa dos Contos - Montemor-o-Novo)



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