Andarilhas 2018
O sorriso de Cristina Taquelim a abrir mais uma edição das Palavras Andarilhas |
A tarde começou com a difícil
tarefa de receber a escritora Ana Saldanha, introduzindo a sua obra e
estimulando a comunicação entre esta autora de referência e o
escasso público andarilho que acorreu ao Centro Unesco. Mergulhámos
pela escrita de Ana Saldanha, que pensa e comunica com os
adolescentes sabendo das situações limite; que sobrevive com o
sotaque agreste de Vila D'Este ou do Viso, verdadeira, por vezes
dura. Gaguejámos com as personagens, sentindo o bulling, desejámos
muito ter um animal de estimação que nos defendesse do cinzento dos
blocos habitacionais e prolongasse a sua companhia para o interior da
escola. Fomos transportados de um conto tradicional, onde o mal vai
crescendo por dentro de uma rapariguita incauta até à moça
desassombrada que, na nossa realidade, descobre uma gravidez que não
programou. Uma escrita vibrante, expressiva que bem poderia ser
adaptada ao cinema ou a uma série televisiva desabrida, para jovens.
Poderíamos ter viajado até ao território nacional empedernido por
um racismo que nunca resolveu como em “Uma questão de cor”, mas
não, fomos diretamente para a prisão sem passar pela casa da
partida e falámos, falámos sobre comunidades de leitura em contexto
prisional. Sorte a minha, coincidências... a conversa saltou para
escritores que desconhecia e fui salvo pelo público que pegou na
palavra e salvou o distraído pivô. Vai ler Miguel! Há muitos
livros na biblioteca...
Com a barriguita cheia de histórias no Jardim Público de Beja |
Pela noite fui a Baleizão contar
histórias. Não! Não faz parte da peça que faço com a Aldara
Bizarro: Baleizão o valor da memória. Tive de explicar tudo isto
muito bem, inclusive ao serão, na aldeia de Catarina Eufémia. “Esse
gelado deve ter sido uma invenção de um Baleizoeiro”-
disseram-me. Um cão ladrava nervosamente por sentir uma boa porção
de gente no parque Álvaro Cunhal, habitualmente mais silencioso.
Comecei a cantar para acalmar o canito, uma moda alentejana: “Ai na
aldeia da Amareleja não se pode namorar, de dia as velhas à porta e
de noite os cães a ladrar”. Depois, segui primeiro pelo Algarve
contando umas partes, passei aos meus contos... na primeira fila uma
mulher cega maneava a cabeça na direção do céu e sorria, sorria
muito quando a história lhe agradava. Numa outra cadeira um rapazito
com trissomia estava feliz. Quando terminou a sessão e já algumas
pessoas se tinham levantado silenciosamente, éramos já trinta e
tal, uma senhora deixou sair: “estou tão bem aqui a escutar que
não me apetece ir embora...” “Então vou ler-vos um poema de
António Gedeão”. Os que estavam de pé procuraram uma cadeira e
aquietaram-se e, na minha frente, a vizinha já sorria. Como corria
branda a noite, li
tranquilamente o poema “Mãezinha”. Fica aqui uma palavra de
apreço para o carinho que recebi do Rodrigo Martins e da Maria João
Brissos na aldeia de Baleizão, recordando Frieder Bauer, amigo
(morava nas Neves) que viveu por dentro a Reforma Agrária, e
fotografando exaustivamente os habitantes da aldeia (alguns ainda têm
as suas fotos a preto e branco).
No fim de semana estive, também,
sentado à mesa do mercadinho, ilustrando, lendo e conversando com
quem passava e diverti-me muito na entrevista com a Rádio Miudos, um
projeto de que bastante aprecio. À vota da nossa mesa juntou-se um
belo grupo de narradores, crianças, amigos que desenharam,
sussurraram, sobretudo conversaram sem hora marcada. Estive uma porção de tempo à
conversa com o fascinante Eugénio Roda, revi amigos mediadores da
leitura, livreiros amigos, colegas da biblioteca de Beja, artistas e
narradores – venho de coração cheio. Conferi a minha prática,
trocando ideias com colegas e partilhando informação como é meu
hábito. A todos gostaria de abraçar demoradamente, mas a vida não
pára de nos sorver ruidosamente... Agora, para ti, Cristina
Taquelim, segue um beijo agradecido pela magia que sempre acontece
nas Palavras Andarilhas.
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