Andarilhas 2018

O sorriso de Cristina Taquelim a abrir mais uma edição das Palavras Andarilhas
Mais uma edição das Palavras Andarilhas! Este ano a Laredo Associação Cultural participou na produção do evento junto com os companheiros/as da Biblioteca Municipal de Beja, com a Ouvir e Contar e com a Bichinho de Conto. A todos o meu grande obrigado egoísta, pois andei ocupado com as minhas intervenções, sem ter tempo para apoiar as formiguinhas andarilhas. Obrigado Luís Carmelo, Cristina Taquelim, Maria José Vitorino e Mafalda Milhões. No dia 23 de setembro, logo pela manhã, num canteiro do jardim, finalmente falei um pouco da minha recente experiência na Guiné Bissau, ilhas do Sul dos Bijagós, a convite do meu irmão Jorge, armador e timoneiro do projeto de eco-turismo Africa Princess. Foi uma conversa circular, entre amigos, apenas de partilha de emoções e visões.

A tarde começou com a difícil tarefa de receber a escritora Ana Saldanha, introduzindo a sua obra e estimulando a comunicação entre esta autora de referência e o escasso público andarilho que acorreu ao Centro Unesco. Mergulhámos pela escrita de Ana Saldanha, que pensa e comunica com os adolescentes sabendo das situações limite; que sobrevive com o sotaque agreste de Vila D'Este ou do Viso, verdadeira, por vezes dura. Gaguejámos com as personagens, sentindo o bulling, desejámos muito ter um animal de estimação que nos defendesse do cinzento dos blocos habitacionais e prolongasse a sua companhia para o interior da escola. Fomos transportados de um conto tradicional, onde o mal vai crescendo por dentro de uma rapariguita incauta até à moça desassombrada que, na nossa realidade, descobre uma gravidez que não programou. Uma escrita vibrante, expressiva que bem poderia ser adaptada ao cinema ou a uma série televisiva desabrida, para jovens. Poderíamos ter viajado até ao território nacional empedernido por um racismo que nunca resolveu como em “Uma questão de cor”, mas não, fomos diretamente para a prisão sem passar pela casa da partida e falámos, falámos sobre comunidades de leitura em contexto prisional. Sorte a minha, coincidências... a conversa saltou para escritores que desconhecia e fui salvo pelo público que pegou na palavra e salvou o distraído pivô. Vai ler Miguel! Há muitos livros na biblioteca...
Com a barriguita cheia de histórias no Jardim Público de Beja
Nesse mesmo dia 23 de setembro, contei histórias num canteiro, acompanhado pelo som dos carros e camiões que cruzavam a estrada nas minhas costas, junto ao muro do Jardim Público de Beja. Acho que os andarilhos gostaram, apesar de ter falado bem mais alto que o habitual, para que todos me escutassem. A sessão que melhor me correu, nestas Andarilhas, foi no Estabelecimento Prisional de Beja, no dia 24. A Biblioteca Municipal mantém teimosamente um serviço de apoio ao EP Beja, levando livros, autores e outras propostas aos reclusos aí residentes. Assim, lá fui eu para uma sala da escola prisional com 26 reclusos (salvo o erro) e contei, cantei e li para aqueles homens ali detidos. Comecei por rogar uma praga a um GNR pois tinha sido quem tinha detido um rapaz que ali estava - começámos a rir. Depois passei para o para o hip pop e kuduru, dizendo vários autores na toada e continuei com contos com algumas piadolas pelo meio.

Pela noite fui a Baleizão contar histórias. Não! Não faz parte da peça que faço com a Aldara Bizarro: Baleizão o valor da memória. Tive de explicar tudo isto muito bem, inclusive ao serão, na aldeia de Catarina Eufémia. “Esse gelado deve ter sido uma invenção de um Baleizoeiro”- disseram-me. Um cão ladrava nervosamente por sentir uma boa porção de gente no parque Álvaro Cunhal, habitualmente mais silencioso. Comecei a cantar para acalmar o canito, uma moda alentejana: “Ai na aldeia da Amareleja não se pode namorar, de dia as velhas à porta e de noite os cães a ladrar”. Depois, segui primeiro pelo Algarve contando umas partes, passei aos meus contos... na primeira fila uma mulher cega maneava a cabeça na direção do céu e sorria, sorria muito quando a história lhe agradava. Numa outra cadeira um rapazito com trissomia estava feliz. Quando terminou a sessão e já algumas pessoas se tinham levantado silenciosamente, éramos já trinta e tal, uma senhora deixou sair: “estou tão bem aqui a escutar que não me apetece ir embora...” “Então vou ler-vos um poema de António Gedeão”. Os que estavam de pé procuraram uma cadeira e aquietaram-se e, na minha frente, a vizinha já sorria. Como corria branda a noite, li tranquilamente o poema “Mãezinha”. Fica aqui uma palavra de apreço para o carinho que recebi do Rodrigo Martins e da Maria João Brissos na aldeia de Baleizão, recordando Frieder Bauer, amigo (morava nas Neves) que viveu por dentro a Reforma Agrária, e fotografando exaustivamente os habitantes da aldeia (alguns ainda têm as suas fotos a preto e branco).
No fim de semana estive, também, sentado à mesa do mercadinho, ilustrando, lendo e conversando com quem passava e diverti-me muito na entrevista com a Rádio Miudos, um projeto de que bastante aprecio. À vota da nossa mesa juntou-se um belo grupo de narradores, crianças, amigos que desenharam, sussurraram, sobretudo conversaram sem hora marcada. Estive uma porção de tempo à conversa com o fascinante Eugénio Roda, revi amigos mediadores da leitura, livreiros amigos, colegas da biblioteca de Beja, artistas e narradores – venho de coração cheio. Conferi a minha prática, trocando ideias com colegas e partilhando informação como é meu hábito. A todos gostaria de abraçar demoradamente, mas a vida não pára de nos sorver ruidosamente... Agora, para ti, Cristina Taquelim, segue um beijo agradecido pela magia que sempre acontece nas Palavras Andarilhas.   

Comentários

Mensagens populares