Vamos à caça dos Gambozinos?
Notas para uma Intervenção no Museu do Neo-realismo
Vila Franca de Xira 2 de
fevereiro 2016.
Escolhi o Wolpertinger (Gambozino),
ilustração que fiz em Regensburg (Baviera), para ilustrar a ideia de públicos
que ainda não vêm ao Museu, quer por escolha do próprio espaço cultural, quer
por exclusão social ditada por características culturais, linguísticas, ou por
limitação física ou mental.
Os museus, a par das bibliotecas
são casas de olhos grandes: veem para além do formatado e do previsível –
representam o melhor balanço que a humanidade pode fazer entre o legado de
construção cultural e o devir de novas invenções, conhecimento e criatividade.
Dotar os museus de um olhar social significa abrir as portas a públicos
habitualmente excluídos por razões culturais, linguísticas, ou por limitação
física ou mental. Procurar novos caminhos de comunicação com o público,
diversificar abordagens, propor pedagogias participativas são apenas algumas
das tarefas exigidas aos museus num mundo em constante mutação onde os conteúdos
se interpenetram como se fossem matéria líquida.
Para cumprir esta tarefa, importa
formar continuadamente os mediadores dos museus, não só no conhecimento
especializado das problemáticas mas também em estratégias específicas de
interação que este trabalho implica. Como exemplo, poderíamos citar o curso “Mediar públicos com necessidades educativas especiais” (Descobrir/Gulbenkian), Acesso Cultura (mais técnico abordando questões concretas do espaço) ou a formação em
continuidade promovida pelo Museu da Eletricidade.
A formação de mediadores tem como reflexo imediato a
conceção de respostas originais, próprias de cada museu, respondendo à
comunidade incomum que os procura. Assim vemos surgir visitas, oficinas e
projetos que manifestam uma grande identidade, refletindo claramente as
coleções que possuem (caso da oferta Descobrir/Gulbenkian que abrange os
jardins e os dois museus da Fundação, respostas locais, como no Museu de S.
Miguel de Odrinhas, Museu do Azulejo, Museu de Serralves e tantos outros)
Foto Carlos Azeredo (FCG)
Aprofundando as respostas
Quando realizamos percursos e oficinas que
respondem às características específicas de cada grupo especial, estamos a
desenvolver um trabalho especializado importante mas sem inclusão. Incluir é
conseguir desenhar propostas que juntem os públicos especiais com os públicos
regulares, conseguindo fazer chegar a todos a mensagem, de forma clara.
Cumprindo este objetivo, temos observado o nascimento de iniciativas muito
marcadas pela pedagogia de projeto, como é o caso de “Miríade de histórias”
(Museu de Serralves ) que integram, na sua génese, o conceito de inclusão,
garantindo uma presença justa no museu. Também o programa Descobrir/Gulbenkian
propõe atividades dedicadas às famílias especiais onde todos podem participar.
Dizia-me uma amiga (Mãe se um jovem
autista) da associação “Pais em Rede” a propósito de inclusão e espaços
culturais que “não deveria ser necessário ter de fazer uma marcação para poder
fruir do lugar livremente”. Fica a reflexão…
Mas o que fazer quando nos
deparamos com visitantes especiais no meio de uma visita? E quando, sem aviso
prévio, nos surge um grupo aparentemente regular mas que um olhar atento
rapidamente o identifica como diferente? Concluímos que devemos prever estas
situações, apostando na construção da resposta e na formação das equipas,
salientando a importância de uma identificação prévia do grupo no momento da
marcação da atividade.
A prática da anamnese de públicos,
antecedendo a atividade no museu, apenas se encontra referenciada (e
instituída) no programa Descobrir/Gulbenkian, constituindo-se como recomendação
para todos os museus que desejam receber públicos diferentes.
Foto: Por cortesia do Museu Municipal Carlos Reis
Gambozinos
Relembram-nos os teóricos que os
Museus são lugares de poder onde, atualmente, a gestão financeira chega a ter
mais importância do que a existência da coleção. Existe grande preocupação com
o número de visitantes -Mas os serviços educativos acabam de salvar o dia! Uma
boa fatiadas visitas e atividades promovidas pelos museus contam com o público
escolar (demasiadamente…), compondo os números no momento de avaliação. Também
a frequência de públicos especiais contribui (em alguns museus) para estes
números.
E que tal trazer outros públicos,
excluídos ao Museu?
Esquecida a Revolução Francesa,
ficou a populaça proibida de passear pelas arcadas do Louvre…
Falemos, por exemplo, de
comunidades ciganas ou público de origem cabo-verdiana? Por mim, estou
preparado para fazer uma vista em crioulo sobre qualquer autor contemporâneo… (O
crioulo é a segunda língua mais falada na grande Lisboa e Setúbal e não só…). Importa que cada mediador se
questione sobre a sua missão nos museus, reconhecendo a vastidão e compromisso
do seu papel educativo, contribuindo com a sua criatividade para a construção
de respostas assertivas direcionadas para públicos improváveis.
De novo, poderemos abraçar a
pedagogia de projeto, construindo ideias que devolvam os olhos aos museus,
formando e fidelizando novos públicos. E tudo isto tem uma metodologia própria. Temos um grande número de projetos (como exemplo na Casa
da Música, Intervir/Cam e tantos outros em tantos museus) a exigir persistência e continuidade.O resto será mediar o conhecimento com
o público com presença e alegria, não esquecendo que parte da nossa missão é
servir. Pois como todos sabem, não
existem Gambozinos…
Falemos agora de comunicação, esta
outra do interior do museu para a comunidade envolvente. A condição de exclusão ou diferença
leva a um isolamento deste tipo de públicos; fechados nas suas casas,
instituições ou escolas, não acedem à comunicação produzida pelos museus. Esta
situação aconselha os serviços educativos a terem uma atitude ativa na
divulgação das propostas, devendo elaborar uma base de dados específica para
esta área de trabalho. A produção de materiais de divulgação específicos (como o convite em língua gestual publicado no sítio de Serralves) pode ser decisiva.
O contacto pessoal (telefónico ou presencial) assume grande importância,
transcendendo a publicação de folhetos, mas nada melhor do que uma ajudinha dos
Media, sobretudo aqueles que devem cumprir serviço público. Acrescentar propostas formativas
para públicos específicos,organizar fóruns de partilha e informação de
conteúdos na área das acessibilidades, dando a palavra aos verdadeiros
protagonistas, melhora o nosso trabalho e pode ajudar a abrir a porta dos
museus. Estabelecer parcerias com associações ou a colaboração com municípios
focada neste campo de trabalho pode contribuir para o surgimento de projetos
com elevado impacto social, relembrando a responsabilidade social dos Museus,
estreitando laços com a comunidade envolvente.
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