Inside Outside
José Barrias. Foto de Gianluca Vassallo, 2014.
“(...) a razão essencial de cada diálogo habita sempre na diferença que
o nutre, mas também que a razão que o estimulou e estimula foi e é a plataforma
que o uniu, formando e amplificando o nosso percurso expositivo sob a forma de
obras abertas a pensamentos, impressões, sensações (retinianas
e não) que escorreram e escorrem entre nós e, sobretudo, para além de nós.”
Alguém me pode explicar onde fica o território do indizível,
aquele que é sempre perseguido pelo traço e pela escrita?
Fui percorrendo errante o labirinto onde as obras de Bárbara Fonte e José Barrias se misturam dialogando como iguais em “Inside Outside” (Plataforma Revólver – Junho/Julho 2015). Uma gramática feita de recursos variados da instalação ao desenho passando pela fotografia, vídeo e...livros.
Sou visitante, num eterno conciliábulo entre o artista, o mediador cultural, escrevinhador e o “gostador” que me habitam inquietos. Cheguei a interrogar-me como seria fazer uma visita-oficina a esta exposição especial… E como seria escrever para uma imagem…e porque não aquele desenho ali ou sobre a fotografia do canário morto entre os pelos púbicos de uma adolescente. Calma! Calma! É só um efeito de contaminação com a imagem ao lado: o canário está morto e vão enterra-lo, como no poema de Jacques Prévert (“le chat et l’oiseau”).
Fui percorrendo errante o labirinto onde as obras de Bárbara Fonte e José Barrias se misturam dialogando como iguais em “Inside Outside” (Plataforma Revólver – Junho/Julho 2015). Uma gramática feita de recursos variados da instalação ao desenho passando pela fotografia, vídeo e...livros.
Sou visitante, num eterno conciliábulo entre o artista, o mediador cultural, escrevinhador e o “gostador” que me habitam inquietos. Cheguei a interrogar-me como seria fazer uma visita-oficina a esta exposição especial… E como seria escrever para uma imagem…e porque não aquele desenho ali ou sobre a fotografia do canário morto entre os pelos púbicos de uma adolescente. Calma! Calma! É só um efeito de contaminação com a imagem ao lado: o canário está morto e vão enterra-lo, como no poema de Jacques Prévert (“le chat et l’oiseau”).
Por cortesia de Bárbara Fonte
Bem… Não se descreve esse território, mas sente-se. O corpo
que o diga quando se confronta com as peças. Se deixarem o corpo fazer o que
lhe apetece, fica a peça interpretada. Por pouco não fiquei ajoelhado
religiosamente (como uma freira) em frente à sequência de fotografias onde a
artista (Bárbara Fonte) dá corpo (rosto) a alguns vendavais da alma humana. De
qualquer forma, tentei identificar devotamente os diversos verbos ali
autorretratados.
Por cortesia de Bárbara Fonte
Essa sabedoria cutânea, instantânea e inconsciente que
possuímos, devida apenas ao facto de estarmos vivos, é convocada nesta
exposição. Penso: Eu já senti tudo isto, sei do que se trata… Bárbara Fonte confirma as minhas suspeitas no o seu vídeo,
caderno de notas, onde página a página, exaustivamente, enumera sensações e
desafios à interpretação pessoal. Preto e branco, som em bruto, real como um
desenho acutilante; mas afinal fala-se de gente e somos levados para um
território estranhamente familiar. Como se Bárbara nos dissesse: Vou
explicar-te intimamente como funciona a tua cabeça… A certa altura, há uma janela com um lençol e um corpo de
mulher entrevisto em segundo plano; o vento faz voltejar o tecido. O visitante
incauto fica feliz pois julga ter vislumbrado uma relação entre esta janela de
umbrais em pedra e outras na aldeia de Vilarinho das Furnas (cit. Vídeo
“Barragem”, 1979, José Barrias) … São tontos os visitantes das exposições, vêm
carregados de referências… (embora a reflexão sobre a ausência encontre eco
nesta exposição)
Fotograma de um vídeo de Bárbara Fonte que mexeu comigo
A exposição contém uma enorme densidade de sensações mais
profundas do que um qualquer “déjà vu ”, é preciso tempo para a percorrer. Ficamos
com a sensação que a sucessão de salas é pequena para conter tanta informação
vital. José Barrias Já montou um plano para registar tudo o que se
sente: Vamos fazer um inventário humano! Documentar este limbo revertendo-o na
nobre arte da literatura… É fundamental a existência de um livro, fechado, para
que o nosso olhar nele penetre conferindo-lhe um conteúdo, evidentemente
pessoal. Ele sabe que se pode desenhar o indizível com um lápis de palavras. Um dispositivo museológico (caixa de acrílico montada sobre
uma peanha) exibe um pequeno conjunto de objetos/esculturas todos da mesma
escala; uma espécie de salvados. Heresia: leio-os em sequência como se cada um
fossem versos de uma poesia; o último verso é uma ave morta. Noutra sala, o
artista conclui que naquele recanto ficava bem uma biblioteca – concordo:
coloco os óculos e tento ler um romance em miniatura, consultando de seguida o
escaparate.
Quase Nouveau Roman, 2014. Múltiplo de Quase Romance, edição de 5 exemplares, escala 1/10.Inside Outside, 2015. José Barrias com Bárbara Fonte, na Plataforma Revólver, Lisboa.
Adiante, mais desenho (e que desenhos!), sempre em fuga do
óbvio, abrindo espaços para ausências e transparências, uma memória do
imaginado. Traços que se rebelam do suporte, obrigando a uma leitura global da
obra nas suas três dimensões, depois contaminam paredes e toda a galeria é já o
ateliê do artista, lugar de experimentação livre. Sente-se a alegria na
montagem da exposição e ficamos com a sensação que perdemos o essencial: o
momento em se pronuncia a proposta, em que nos decidimos a partilhar um
território profundamente humano de desencontro, conferindo-lhe uma resolução
estética.
Bárbara Fonte
Bárbara Fonte
Tempo ainda para falar de cabelos entrelaçados
unindo os dois discursos.
Afinal, toda a gente sabe que os cabelos são desenhados com minas muito, muito finas...
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