Retalhos das ANDARILHAS...porque é impossível abraçar toda a gente.
André Letria
"É tão grande o Alentejo
Tanta terra abandonada
A terra é que dá o pão
Para bem desta nação
Deveria ser cultivada"
Ainda ecoam as vozes afinadas de cante, dos moços da aldêa,
pelos muros do castelo; ao longo dos próximos dias, por precipitação no leito
das ideias, depositar-se-ão todos os outros ecos das Palavras Andarilhas. Este
encontro é a referência para muitos contadores de histórias e mediadores da
leitura do nosso país. Ali conferimos as nossas práticas, conhecemos novos
textos e outras formas de abraçar este ofício que escolhemos: trabalhar a
palavra, partilhando-a. Como é impossível falar de tudo o que aconteceu nas
Andarilhas, apenas pegarei nuns quantos retalhos (sem a habilidade da Bru
Junça), reconstruindo os meus passos por este festival da palavra.
A minha intervenção foi de olhos nos olhos, sentado num
canteiro com sombra do jardim, moderando uma conversa que partiu da minha
prática de mediação leitora e chegou a uma mão cheia de ouvintes que assumiram
o debate dando-lhe sentido. Falou-se de mediação leitora e necessidades
educativas especiais e, sobretudo, nas questões básicas da promoção da leitura
e as dificuldades sentidas por todos nos respetivos locais de trabalho. Foi uma
manhã útil de reflexão e troca de ideias.
Transformando o "Dr. Veloso" em personagem das histórias
Depois foi tempo de preparar uma pequena formação (3h) sobre
Museus e Mediação Leitora que teve lugar no pequeno e belo Museu Jorge Vieira.
Uma obra desconhecida por muitos mas com um universo fantástico que a aproxima
da ilustração atual sendo uma ferramenta poderosa para a criação de narrativas
a partir do acervo exposto. Comecei por contar uma pequena história sobre a
importância da memória como introdução à visita que se seguiu, acompanhada por
Noémia Cruz, viúva do escultor: um privilégio muito bem aproveitado pelos
participantes que colocaram uma variedade de questões sobre a obra do artista. Dividi
o grupo em três e propus que escrevessem um pequeno texto partindo das peças
expostas. O resultado foi muito engraçado e ficámos de enviar para o museu a
nossa escrita devidamente corrigida. Ainda houve tempo para falar de diferentes
intervenções nos museus aplicando a metodologia própria da mediação leitora.
Para finalizar partilhei duas ferramentas de trabalho já com provas dadas: “O
museu das palavras” e “conversando com o acervo”. Felizmente ficou tudo muito
bem documentado pela Paula Martins (BMB) que fotografou a sessão.
As cidades que usam a cultura
como língua de comunicação entre os seus habitantes
são lugares mais felizes
capazes de desenhar futuro
promovendo uma cidadania plena
As cidades que usam a cultura como língua de comunicação
entre os habitantes, são lugares mais felizes, capazes de desenhar futuro,
promovendo uma cidadania plena. Conhecimento e educação fazem parte dessa mesma
gramática construtora de futuros. Os museus estão lá, de portas abertas.
Parecem dizer-nos: apropria-te do que temos, nós ajudamos-te a ler o mundo.
O meu amigo Thomas Bakk cumprimenta o "Pai Lalaxu"
Para mim, um dos momentos mais importantes do encontro foi a
pequena homenagem/entrevista com o Lalaxu (Horácio Santos), conduzida
sabiamente pela Raja. Não é novidade para a ninguém a importância que este
grande contador tem no meu percurso de narração e mediação cultural, sobretudo
junto da comunidade cabo-verdiana.
Foi a Cláudia Fonseca que salvou a intervenção dos
sussurradores: foi buscar uns quantos ao carro e pusemo-nos todos a sussurrar,
até em stereo! (deveria ter preparado melhor esse momento…)
Pescando palavras, poemas e histórias |
Mas a manhã de volta do lago com os pescadores de palavras
correu bastante bem. Os peixes feitos em esferovite, pelos utentes do
refeitório social da Caritas de Beja, tinham palavras escritas no verso (boa
parte delas escritas pela Estrella Ortiz que se pôs a conversar comigo à borda
do lago), funcionando como uma espécie de máquina da poesia. Puderam assim
surgir algumas frases poéticas capturadas com a ajuda das canas de pesca
pacientemente construídas pelo Hermes Picamilho (BMB). Entre as palavras
escritas nas aquáticas criaturas constava Conto e Poema – cada vez que alguém
as pescava, lá dizia eu um poema ou contava uma história. A manhã acabou em
risada com a história da “Caganita”.
Contra a vontade do pai, uma menina levou
um peixe-voador onde se podia ler a palavra fantasia. Cabe aqui agradecer ao
Hermes a fantástica sopinha alentejana de achigãs que me retemperou as forças;
e por falar em petiscos… Ainda deu tempo para uma última brincadeira: fui atrás
do cheiro da comida poética até ao Poesia à la carte promovido pela Andante,
junto ao fontanário. Servi aos comensais leitores uma pequena entrada de peixe
escolhida do meu livro “Rimas salgadas”. Os clientes faziam fila á porta: não
admira, trata-se de um restaurante poético premiado com o troféu andarilho!
Ainda no capítulo dos almoços rápidos (o trabalho era muito) foi óptimo rever a Madalena Vitorino, recordando os dias felizes de amadurecimento no CPA/CCB.
Ficam de fora deste texto as conversas, a galhofa, a risada,
o prazer genuíno que sentem os narradores quando encontram os seus pares. É
impossível explicar como também de afetos se tecem as Andarilhas. É impossível referir e abraçar toda a gente…
Cristina Taquelim continua a ser a culpada pelas palavras
que acordam o coração dos homens.
Foto de Luís Beco
Já no caminho de regresso lembrei-me da Helena Gravato… e só
me saiu um cante enquanto conduzia:
“Rouxinol repenica o cante
Ao passar a passadeira
Nunca mais voltas a Beja, oh ai (…)”
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