Memória da residência Dez x Dez - II
Devo confessar
que no início da residência do Projeto 10x10 (Descobrir/Gulbenkian) tinha uma
certa dose de medo, ou melhor, receio de não encontrar nada de realmente útil
para o trabalho a desenvolver na escola. Mas aí começou uma espécie de focagem
estimulada pelo confronto saudável com o outro/docente. Afinal, parece que tudo
está destinado à partida.
A memória é
mesmo seletiva. E não tomei nota de tudo o que se disse… valha-nos a Judith
Athias que pacientemente registou as ideias expressas naqueles dias – uma
espécie de cronista ao serviço da educação. A narrativa continua, incompleta,fragmentada e
sem fio cronológico coerente…desculpem:Ana Rita propõe o diálogo em torno do conceito de mudança e organizamo-nos em tandem, professor/artista, para trocarmos ideias. O que pode ser mudado na Escola? Primeira pergunta. Elisa, professora da Secundária Siomara da Costa Primo debate comigo. Concluímos: “Reduzir o trabalho burocrático libertando o tempo para a tarefa educativa”. O que não pode ser mudado na escola (segunda)? “Não podemos mudar a noção de serviço público". O que poderemos fazer para mudar a escola? “Promover a ideia de intervenção educativa constante junto de outros docentes”. Pelo meio falámos da necessidade de revalorizar o Concelho Pedagógico das escolas, agora demasiado próximo de funções economicistas, referimos a importância das bibliotecas escolares e concluímos que seria importante que as associações de estudantes tivessem um papel mais ativo. E se as mesmas perguntas fossem feitas aos estudantes? Talvez eles referissem que se deveriam mudar as condições logísticas da escola (cantina, casas de banho, computadores…). Elisa está quase certa que eles, os estudantes, não mudariam nada na qualidade do ensino e nas condições de acesso a ele. “Para muitos jovens da Amadora a escola representa mesmo uma tábua de salvação e integração social”, refere Elisa. Será que alguns prefeririam a aula tradicional?
Um dos textos mais interessantes, apresentados pelos professores foi “O melhor aluno” de Miguel Ángel Santos Guerra que gerou uma conversa bem profunda sobre a condição de aluno em relação com o professor. “O professor é também um sedutor”, escutou-se. Em certa altura alguém concluiu sobre a questão da identidade de aluno: O aluno tem de lidar em primeiro lugar com os pais, depois com a matéria (programa) e gerir ao mesmo tempo tensões tribais, próprias da escola atual (ou será do universo jovem?). “A escola é um reduto de identidade para estes jovens. Deve ser valorizada a identidade por oposição à massificação”. Depois do debate, registei na folha de papel de cenário: “Mais vale ser agente da mudança, cavalgar a mudança, que ser vítima dela”. A imagem de um surfista na crista da onda, controlando a situação. Todos iremos dar à praia, uns embrulhados na rebentação, outros singrando suavemente até ao areal. E ainda outra frase ditada pelo momento: “No âmago de cada mudança voluntária, existe sempre um desejo de equilíbrio”. “Procurar consequências das nossas afirmações” – As palavras da Dina a bailar na minha cabeça, acompanhando toda a residência...
As pernas da Sandra transformadas numa cartografia desenhada
“Trazer o corpo
para dentro da Vida, para dentro da escola!” Assim começaram os exercícios
propostos por Aldara Bizarro e Hugo Barata. Corpo, movimento, desenho e espaço.
Muitos jogos de movimento, toque e geografia dos corpos num dos momentos mais
altos da residência. Desenhar com pó de grafite nos pés. O nosso corpo como
suporte do desenho e continuação do espaço envolvente, desenhável. E tudo isto
relacionado com a produção dos artistas contemporâneos, como muito bem
partilhou o Hugo. No dia seguinte, depois da “esfrega” que levei, entrei na
sala leve, articulações respondendo misteriosamente a todas as solicitações e
as ideias acompanhando o ritmo com agilidade.
Duas professoras
recordaram-me o estranho e fascinante mundo da matemática. Mas o meu traço
genético de aluno distraído levou-me sempre para as outras paragens.A Paula falou-nos de “Grupos discretos de isometrias no plano”. Escrevi na minha folha: “beijos secretos todos os dias do ano”. Quando a matemática se aproxima do desenho no espaço, interesso-me. Continua a ser uma relação de Amor e ódio que vou resolvendo cada vez que a matemática prova sua existência na minha vida...
Uma pequena brincadeirinha matemática proposta com os dedos da mão.
É muito poderoso ter uma Obsidiana na mão,
uma rocha vulcânica formada sob ação da água e do fogo...
“No som MAAAA,
devem retirar a sonoridade da boca”. Exemplificou Margarida Gil, com os dedos
recolhendo aquela essência audível a partir dos lábios. “Com o som MEEEE, devem
vir para a frente, com o corpo atrás do som”. Não imaginam como eu gosto quando
a Margarida nos põe a cantar em uníssono, numa harmonia impensável. O bem que
estes exercícios me fazem! Acabo por me soltar nestas residências… Outro exemplo:
imaginem o Nuno Cintrão que nos pôs a cantar hip hop de microfone na mão…
Ana (Filosofia)
pede-nos para escolher uma imagem de um conjunto previamente impresso.
Interroga-nos sobre a razão da escolha. Reconheço o método da “Foto linguagem”
(Paulo Freire) muito utilizado pelos animadores socioculturais do CAOB (Associação a que pertenci) no pós
25 de Abril. E continua a funcionar…No final a escolha das duplas professor/artista e um pezinho de dança. Fiquei contente com a escolha, já adivinhada: Irei trabalhar na Siomara Costa primo com a Elisa.
Obrigado a todos por mais uma experiência revitalizadora. E agora, toca a ir para a escola!
Fica aqui a referência do Movimento da Escola Moderna muito referido pelo António Pedro: http://movimentoescolamoderna.pt/
Comentários
Enviar um comentário